quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

25 Melhores Discos Nacionais de 2016 (+15 Menções Honrosas)

Como todos nós já estamos carecas de saber, o ano de 2016 foi um dos piores da história. Mas não musicalmente. Aliás, nesse campo talvez tenha sido, como num contraponto, um dos melhores anos! Foram muitos os grandes lançamentos que dialogam justamente com esse período em que estamos vivendo hoje em dia, em que o ódio, a intolerância e os preconceitos de todas as formas são disseminados e legitimados justamente por aqueles que nos deveriam representar de maneira equilibrada, na busca por justiça social ou por igualdade de direitos. Não fossem esses tempos e talvez o rapper paulistano Rashid não realizaria um disco tão potencialmente histórico e efervescente como o essencial A Coragem da Luz. Ou talvez o Carne Doce não resolvesse mudar a direção de sua carreira falando muito mais sobre feminismo e empoderamento da mulher, como no caso de Princesa. A arte ainda tem esse potencial redentor, iconoclasta, provocador. E quanto mais o sistema é bruto, mais os artistas parecem dispostos a falar. Pena que a nossa lista contempla apenas 40 discos. E admitimos que não foi tarefa fácil condensá-los aqui. Esperamos que gostem da nossa relação com os 25 Melhores Discos Nacionais de 2016, com mais 15 Menções Honrosas!

Menções Honrosas

40) Vitreuax - Pra Gente Poder Passear
39) Mano Brown - Boogie Naipe
38) El Toro Fuerte - Um Tempo Lindo pra Estar Vivo
37) Graveola - Camaleão Borboleta
36) Trombone de Frutas - Chanti Alpïsti
35) Hurtmold e Paulo Santos - Curado
34) Eduardo da Silva - Abre Alas
33) Bilhão - Bilhão
32) Rômulo Fróes e César Lacerda - O Meu Nome é Qualquer Um
31) Morfina - Farta Evanescente
30) Fernando Temporão - Paraíso
29) Barro - Miocárdio
28) Nego E. - Oceano
27) Não ao Futebol Moderno - Vida Que Segue
26) Rico Dalasam - Orgunga




25) Bruna Mendez (O Mesmo Mar que Nega a Terra Cede à Sua Calma): É quase palpável o clima aconchegante e íntimo do ouvinte, proporcionado pela audição do disco de estreia da goiana - que chega após o elogiado EP lançado ainda em 2014, intitulado Pra Ela. Com personalidade, a cantora acaricia quem se arrisca pelas curvas desse registro, que flerta fortemente com a MPB clássica, mas sem deixar de lado o diálogo com uma sonoridade mais contemporânea, capaz de trazer ainda algum frescor para uma vertente que parece sempre pronta a mostrar algum esgotamento. Assim como mostra a capa, Bruna parece literalmente "abrir a janela para a sua alma" equilibrando temas românticos (Sorte), nostálgicos (Calor Sol e Sal) e cotidianos (Brisa).


24) Wado (Ivete): Produzido pelo próprio cantor, Ivete procura ir além daquilo que Wado já experimentou anteriormente em clássicos modernos como Atlântico Negro (2009), buscando esmiuçar e vasculhar (ainda mais) os guetos. "Ivete é a musa a não ser alcançada, ela é norte, mas não é ela quem canta no disco", explicou o artista, por meio de material de divulgação. "Ela é a musa intocada da empreitada". Uma atenta audição ao disco nos permite inferir que, para o cantor, a escolha pele axé também está relacionada a um caráter ideológico, social e racial. A vertente, enquanto manifestação artística, surge em meados dos anos 80, na Bahia, promovendo uma mistura de ritmos africanos e latinos, com reggae, forró e maracatu. A intenção, de acordo com Wado, era de evocar nomes como Moraes Moreira, algo certamente palpável, em mais este grande (pequeno) registro. [Resenha]



23) Fernando Motta (Andando Sem Olhar Pra Frente): o cantor e guitarrista Fernando Motta vem para comprovar o fato de não ser necessária, nos dias atuais, uma grande potência vocal para a construção de música de qualidade. Tomando por base o espírito nostálgico - presente já no título das canções (Com o Tempo, Videokê, Paris Texas) - o mineiro integra aquela leva efervescente de artistas da música alternativa que a imprensa local tem denominado de "rock triste". Flertando ao mesmo tempo com o rock mais cabeça de bandas oitentistas - como a Legião Urbana - com o shoegaze tão presente nas rodas noventistas de bandas como Superchunk e Yo La Tengo, Motta constroi, em sua estreia, um registro melancólico, íntimo do ouvinte em suas camadas, contemplativo e repleto de texturas.


22) Monza (Hoje Foi Um Dia Fantástico): parece não ter fim a onda nostálgica que faz com que, a cada ano (pra não dizer semana), mais e mais bandas apareçam dispostas a "homenagear" os anos 80, apresentando canções que se apropriam do período, mas com uma roupagem mais atual - e isso é muito bom, diga-se. Mas e os anos 90? Eis que surge o Monza para contemplar o período - a começar pelo nome do grupo. E pela hilária capa! Os paulistas fazem um som nostálgico e urbano, que mistura guitarras bem pontuadas, capazes de garantir um certo tom ensolarado para cada uma das composições - a despeito do tom eventualmente melancólico. As letras são um verdadeiro desfile de ironias, trafegando livremente entre o tom de deboche e o sarcasmo que reflete a vida individualista dos grandes centros - mesmo quando o tema é sério, como no caso do suicídio (na ótima Helena).


21) Sammliz (Mamba): Sammilz foi vocalista do cultuado, dramático e hermético grupo Madame Sataan, que, entre 2003 e 2014 entregou dois discos, alguns EPs e outros materiais. Tudo embalado por um combo potente de thrash, metal e hardcore. A verve roqueira, clara paixão da artista paraense, permanece intacta em seu inaugural trabalho solo que, aqui e ali, recheia o registro com elementos de música eletrônica e até mesmo com referências mais densas e oitentistas. Resultado da colaboração com os músicos Leo Chermont (Strobo) e João Lemos (Molho Negro), o disco faz o ouvinte viajar musicalmente para diversas épocas - dialogando com artistas tão distintos como Black Sabbath e Yeah Yeah Yeahs. Tudo embalado por uma sonoridade que cresce conforme Sammliz entoa os versos - não sem uma boa dose de fúria.


20) Catavento (Chá): se no primeiro disco dos gaúchos de Caxias do Sul, intitulado Lost Youth Against the Rush, era possível encontrar o rock'n roll mais potente, inspirado por bandas modernas como Queens Of the Stone Age e Cloud Nothings -, com o segundo registro, Cha, se sobressaem os cenários multicoloridos, lisérgicos e psicodélicos que fazem a ponte entre Pink Floyd e Tame Impala, sem escalas. E o mais legal: o quinteto jamais soa como algo apenas derivativo ou fruto de uma "modinha" que nada possa ter a acrescentar musicalmente - ainda que a base venha afundada por toneladas de efeitos que quase escondem os vocais, que trafegam entre o inglês e o português. Com personalidade, o grupo entrega um disco ao mesmo tempo garageiro, etéreo e inadvertidamente lúdico, como mostram os imperdíveis hits Rooftop e Plantinha.


19) Baleia (Atlas): existem disco que, de tão desafiadores, exigem muito mais do que uma ou duas audições para que todo o processo de criação executado pela banda/artista possa ser compreendido. É exatamente esse o caso do coletivo Baleia. Se com o inaugural Quebra Azul (2013), os arranjos um tanto mais acessíveis de canções pegajosas como Jiraya e Hiato (quase) possibilitavam aos cariocas a colocação nas paradas de sucesso da MPB, com o segundo registro, o que se tem é trabalho muito mais climático, de atmosfera densa e composto por canções repletas de reviravoltas, encaixes instrumentais surpreendentes e vocais levemente abafados, ainda que limpos em termos de produção. A banda chegou a admitir, em entrevista para a Revista Rolling Stone, uma eventual dificuldade para reproduzir as canções ao vivo. Não sei se isso ocorre. Agora, ouvir o disco, especialmente com um bom par de fones de ouvido, é um deleite.


18) Tássia Reis (Outra Esfera): o mais recente registro da paulistana tem apenas sete faixas e não chega a alcançar os 30 minutos de duração. Mas o formato é enxuto apenas nisso, já que a mensagem do disco é ampla e atualíssima. Especialmente em uma sociedade que parece a cada dia mais intolerante, preconceituosa e incapaz de entender o outro. Em seu trabalho, não são apenas as letras sobre empoderamento feminino, racismo e o cotidiano na comunidade que se sobressaem. A produção também é caprichada e embalada por ritmos diversos, como hip hop, soul, jazz e R&B e que combinam bem com a imagem multicolorida da capa. Sem se prender a um ou outro gênero, o disco utiliza-se ainda de uma roupagem mais pop e acessível, mas sem perder a potência dos versos paradoxalmente entoados pela voz adocicada de Tássia.


17) Séculos Apaixonados (O Ministério da Colocação): verdadeiro caldeirão sonoro e roqueiro dos anos 80, o segundo registro dos mineiros parece ainda mais melancólico - ainda que, em muitos casos, as excêntricas letras sobre o dia a dia ou a respeito de situações da vida nas grandes cidades, torne a experiência de ouvi-los paradoxalmente divertida. Medo da Cidade Quando Chove, com seu refrão autoexplicativo, parece alguma canção do Joy Division perdida em meio ao cancioneiro nacional. Referências ao RPM, ao Sidney Magal e até mesmo as músicas de auditório dos anos 80 (na ótima Dedo em Riste), fazem com que a banda trafegue no limite entre o rock soturno e a música boba de karaokê. Melhor mixado e muito mais limpo do que o primeiro registro, o igualmente ótimo Roupa Limpa, Figura Fantasmagórica, o segundo trabalho da Séculos, consolida a banda como uma das mais criativas da cena nacional.


16) Bruno Souto (Forte): Muito mais dançante, leve e comercial do que o inaugural Estado de Nuvem (2013), o mais recente e ótimo registro do cantor Bruno Souto apresenta uma curiosa dicotomia: versa sobre separação, mas utiliza-se de uma roupagem mais alegre e jovial. O que garante, sem sombra de dúvidas, alguns dos melhores e mais cataroláveis refrões desse ano - experimente ouvir a música que dá nome ao disco umas duas ou três vezes sem ficar com a sua letra em looping infinito na cabeça! Sem vergonha alguma de parecer excessivamente romântico ou até mesmo piegas, o artista utiliza a sua experiência pessoal como fonte para letras absolutamente confessionais, mas que versam sobre conflitos universais e românticos - o que facilita o ponto de encontro (e até de equilíbrio) com o ouvinte. É um álbum sóbrio, de produção limpa e caprichada e muito bom de ouvir. Ah, e sensível até o talo!


15) Jay Vaquer (Canções de Exílio): Produzido novamente pelo consagrado Moogie Canazio - indicado ao Grammy pelo disco anterior -, o presente registro amplia a habilidade ímpar do artista em entregar ao ouvinte uma produção cheia de nuances, algumas surpresas, letras desafiadoras (umas extremamente ácidas, outras de um romantismo sincero e pungente) e uma certa novidade em termos sonoros. Nunca a eletrônica foi tão bem trabalhada como neste álbum - oitavo da carreira de Vaquer, que parece trafegar no limite entre o mainstream e o alternativo -, de forma a complementar o teor pop rock das canções. Não bastasse isso, a produção caprichada e as letras muito acima da média do que se produz no Brasil atual, fazem deste lançamento talvez a obra mais bem acabada e concisa do artista até agora. [Resenha]


14) Baianasystem (Duas Cidades): verdadeiro caldeirão de referências culturais, com ritmos caribenhos, africanos e música regionalista e carnavalesca, o grupo baiano supera o grande desafio de realizar um conjunto de canções alegres, dançantes e contagiantes - ao menos do ponto de vista instrumental - mas sem deixar de lado os posicionamentos ideológicos e o debate acerca de diferenças sociais, investimentos imobiliários, racismo e outros temas da atualidade. E se há uma grande inovação em relação ao inaugural registro homônimo de 2010, ele está justamente na inclusão de mais versos e da presença de letras em quase todas as canções. "Tirem as construções da minha praia / Não consigo respirar" canta o MC Russo Passapusso, na ótima Lucro: Descomprimido. A potência e a efervescência urbana e urgente parece ser um grito que sai dos guetos.


13) Raça (Saboroso): existe algo meio desviado, meio torto, talvez até um tanto inexato na banda Raça que, como num paradoxo, torna a experiência de ouvi-los absolutamente prazerosa. Música não é uma ciência exata e, sabendo disso, o conjunto paulistano usa o mais puro rock'n roll, recheado de letras pungentes (e nostálgicas) como a matéria-prima para seus registros crus e diretos. Em relação ao inaugural Deu Branco (2014) há um claro "polimento" na produção, o que torna a audição ainda mais agradável. Ao voltar o seu olhar para o passado - a lancheira na capa e canções com títulos como É Pra Copiar? e Levado, não são por acaso - o quarteto ainda garante a identificação imediata por parte do ouvinte, que, certamente, não resistirá ao estilo autoirônico do grupo.



12) Guri Assis Brasil (Ressaca): embalado pelo hit Vou Me Mudar Pro Uruguai - uma das melhores e mais simpáticas canções do ano - o músico de Santana do Livramento (RS) abandona, ao menos em partes, a crueza melancólica pós-fim-de-relacionamento que caracterizava seu primeiro registro, Quando Calou-se a Multidão, para investir em elementos que vão para além da simples emulação de um rock regionalista (e romântico). Assim, se por um lado Guri se apresenta como uma espécie de "cronista do cotidiano", bem à moda de um Vitor Ramil reinventado - cantando sobre pés de laranjeiras pra regar, curvas de rio, nuvens cinzas, geadas no Sul do coração (e do mundo) e andorinhas - por outro, o acréscimo de efeitos eletrônicos, instrumentos variados e sintetizadores forma um amálgama sonoro que dialoga com estilos musicais variados, como a cúmbia, o bolero e o reggaetown. Um disco simples de ouvir. Direto. E irresistível.


11) Matheus Brant (Assume Que Gosta): E quem foi que disse que hipster não pode gostar de carnaval? Arrocha, axé, pagode, marchinha, sertanejo e outros estilos populares, formam a base do grande caldeirão de referências promovido pelo cantor que, aos moldes de outros de sua geração - como Rafael Castro e Jaloo - combinam ritmos reconhecidamente mais comerciais, com guitarras, violões ao estilo MPB, bateria bem marcada, psicodelia, dub e toneladas de sintetizadores. Algo capaz de jogar o trabalho para uma linha limítrofe entre a apresentação no programa do Faustão e a aparição em festivais de música alternativa. Não é por acaso que, já na abertura do disco, o artista convida os ouvintes a se despirem dos preconceitos, com o único propósito de se divertir "Assume que gosta de mim assim / Assim como gosta de um pagodinho / Me beija", brinca o cantor na inaugural canção homônima. Impossível ficar parado. [Resenha]


10) Juliana Perdigão (Ó): Existe algo de teatral na performance enérgica e cheia de personalidade da mineira Juliana Perdigão. Mais ou menos como se, ao escutar este maravilhoso registro, estivéssemos diante de uma instalação artística sonora, daquelas que somos inundados por imagens que se libertam da fluidez e da abstração, para se transformar em uma espécie de realidade formada apenas em nossa mente. Seja nos versos cheios de metáforas, elipses, hipérboles e outras tantas figuras de linguagem, seja no modo de cantar, capaz de emular artistas distintos como Elis Regina ou Ney Matogrosso, tudo parece uma grande homenagem a boa música, a canção como diversão e como entretenimento - mas sem esquecer o ponto de vista ideológico ou mesmo de "protesto" - com temas tão caros a atualidade. Que o diga a já clássica Hino da Alcova Libertina, disparada uma das melhores músicas do ano.


09) Terno Rei (Essa Noite Bateu Com um Sonho): E ouvi dizer / Você volta / As coisas que eu perdi, nunca voltam. Sucessor do melancólico Vigília, o segundo disco dos paulistas parece traspirar nostalgia e urbanidade em cada curva de seu som empoeirado, que emula o dream pop e o shoegaze na mesma medida. Se por um lado o registro nos faz lembrar, com sua guitarra característica, alguma sonoridade perdida em meados dos anos 80, por outro o álbum dialoga com artistas modernos e hypados como Lower Dens, War On Drugs e Kurt Vile. Tudo moldado pela personalidade de seus integrantes, que, de acordo com o vocalista e baixista Ale Sater, participaram muito mais da produção (e das composições), carregando na frieza desoladora e na melancolia íntima em cada detalhe do trabalho. Um disco desafiador, mas nunca difícil de uma das bandas mais promissoras da atualidade.


08) Luísa Maita (Fio da Memória): para quem ouviu Lero-Lero (2010), primeiro registro da cantora, a reação diante de Fio da Memória é de surpresa. Surprresa MUITO BOA, no caso. Deixando para trás o samba e outras sonoridades típicas da MPB, em seu segundo álbum Luísa investe em um som recheado por emanações eletrônicas, sintetizadores e efeitos, mas sem ignorar outras vertentes, como a música regionalista e até mesmo africana - como comprova a espetacular Around You e a sua percussão sensual. "Não queria de jeito nenhum fazer um Lero-Lero 2" afirmou a cantora em entrevista ao site Scream & Yell. O resultado é um trabalho absolutamente inovador, ainda que repleto de referências, com produção absolutamente limpa de Tejo Damasceno e Zé Nigro. Luísa já é conhecida internacionalmente - também por conta da presença de músicas na trilha do filme Boyhood, de Richard Linklater. Quem sabe com Fio da Memória, as portas também não se abram por aqui.


07) Metá Metá (MM3): ainda mais roqueiro e jazzístico que o anterior, MetaL MetaL (2012), a nova obra da banda de Juçara Marçal, Kiko Danucci e Thiago França mantem as tradicionais características - a brasilidade onipresente, o regionalismo tropical e o flerte com a música africana - ampliando ainda mais a visceralidade, o calor, a dramaticidade. Se na parte instrumental a percussão, a guitarra e o saxofone formam um conjunto harmônico de ampla potência, nas letras a impressão é de que o trio trafega sempre no limite entre o amor e a sensualidade, a paixão e a luxúria. São três amigos para matar / Mais doze santos pra apedrejar / Um grande amor a sodomizar / É, não deu, não dá canta Juçara na inaugural Três amigos, que quase resume o espírito dessa obra fundamental.



06) Mahmundi (Mahmundi): Final de verão / Fiz um hit pra entoar você. Curioso notar como o verso que inaugura o maravilhoso disco de estreia da carioca Mahmundi, bem poderia funcionar como um resumo daquilo que encontraremos em toda a obra: um disco por vezes ensolarado, com aquele "cheiro" de fim de tarde na praia, ou de noite quente em clima de romance. Assim são as características de um registro capaz de utilizar sintetizadores, teclados, linhas de baixo e guitarra, além de outros efeitinhos diversos, para entregar uma verdadeira coleção de canções absolutamente radiofônicas, refrescantes na medida certa e com refrões certeiros prontinhos para tocar nas rádios mais descoladas do País. Não à toa, o clima litorâneo à anos 80 pode ser percebido não apenas na sonoridade e nas letras, mas também na capa do registro e no nome das canções - Eterno Verão, Calor do Amor. [Resenha]



05) O Terno (Melhor do Que Parece): Funcionando como parte de um processo natural de amadurecimento dentro de sua ainda curta discografia, o terceiro registro dos paulistanos d'O Terno parece abandonar, ao menos em partes, o fraseado direto e até mesmo debochado, de seus trabalhos iniciais, para adotar um modelo um tanto mais sutil. Ainda que, é preciso que se diga, igualmente saboroso, divertido e amplo do ponto de vista dos significados, algo que pode ser percebido já na inaugural Culpa e sua letra autocomiserativa - Será que as coisas que eu faço / Penso que não têm problema / Na verdade são pecado / E é por isso que eu me sinto tão culpado? Ainda assim, longe de qualquer tipo de rótulo simplista, o caso é que, a cada novo disco, o trio se apresenta como uma das mais inventivas, criativas e potencialmente inovadoras bandas brasileiras da recém surgida safra que, hoje, se convencionou chamar de "Nova MPB". [Resenha]



04) Céu (Tropix): Céu já foi MPB direta, romântica e levemente regionalista (no homônimo disco de estreia, de 2005), samba com certa malemolência urbana, com um quê de malandragem, com cuícas, cavaquinhos e bandolins (Vagarosa, 2009) e retrô-empoeirado, meio dream pop urbano (Caravana Sereia Bloom, 2012). Como fio condutor sempre está a voz absolutamente melodiosa, em alguns momentos intimista, em outros mais expansiva, mas sempre incrivelmente afinada. Em Tropix, Céu investe em sons mais eletrônicos, com o uso de sintetizadores minimalistas, teclados sutis, efeitos levemente dançantes e outros barulhinhos que aparecem em cada curva do trabalho sempre de maneira discreta, apresentados com calma, sem correria. É um disco ao mesmo tempo sensível e sensual, com direito a uma abordagem sobre as relações e o distanciamento das pessoas na modernidade - como comprovam as ótimas Perfume do Invisível e Amor Pixelado. Para quem ainda não conhece, é a porta de entrada mais do que ideal. [Resenha]



03) Sabotage (Sabotage): é curioso notar como os versos potentes e repletos de significados de Mauro Mateus dos Santos - o rapper Sabotage, morto em janeiro de 2003 - ainda soam atualíssimos, especialmente diante do cenário de ódio, preconceito e intolerância que vivemos no País. E é justamente pior isso que esse disco póstumo, feito com a ajuda de um time de produtores e músicos que eram amigos do artista, não soa como uma mera e burocrática formalidade. Sabotage ainda tinha muito o que dizer e o resgate foi feito com delicadeza e respeito por Teja Damasceno e Rica Amabis (do Instituto), além de Daniel Ganjaman. "Levei quatro anos para abrir uma track e tentar ouvir a voz dele", lembra Damasceno em entrevista para a Revista Rolling Stone. O resultado é um registro ao mesmo tempo robusto e poético, que, se por um lado soa nostálgico por conta das referências da época - games como Sonic ou a novela O Clone - por outro encontra frescor em uma lírica que olha com atenção para a comunidade (no caso o Canão), para os pobres, oprimidos e outras pessoas a margem da sociedade. Um disco rico em sentidos que já nasce como um clássico moderno.



02) Carne Doce (Princesa): Enérgico. Cru. Visceral. Sanguíneo. Lânguido. Potente. Selvagem. Transgressor. São tantos os adjetivos possíveis para definir o segundo registro dos goianos do Carne Doce, que a impressão que se tem é a de que eles jamais serão suficientes. Se com o inaugural e homônimo disco de estreia lançado em 2014, o quinteto já foi o responsável por sacudir a cena independente nacional ao apresentar um registro que equilibrava a psicodelia bucólica com o clima intempestivo da urbe, com o mais recente lançamento toda e qualquer ideia explorada naquele trabalho parece agora ampliada, num exercício não apenas de maturidade mas também de sintonia entre os integrantes. E que resultam em uma nova coleção de canções que abandona, ao menos em partes, a dicotomia campo x cidade, para apostar muito mais em temas que envolvem a presença da mulher na sociedade, o empoderamento e o combate a misoginia. E certamente não é por acaso que a provocadora canção Falo (num dos melhores títulos de música em duplo sentido da história) brinca com esta condição em seus irretocáveis versos - Já tá cansado da minha voz porque / O tempo todo um timbre feminino é / Pra maioria algo enjoativo / Que tal se agora entrasse um homem aqui?. Nunca cansaremos. Da voz, do debate, da música. Ou desse disco, o melhor do ano com justiça. [Resenha]


01) Rashid (A Coragem da Luz): fosse "apenas" um disco de hip hop com letras potentes, rimas ferozes e um discurso atento a um mundo que se apresenta a cada dia mais preconceituoso, reacionária e intolerante, o álbum do mineiro Rashid já seria candidato natural a ser o melhor do ano. Mas o rapper não apenas realiza um trabalho de virtuosístico encaixe poético, raras vezes visto no canceioneiro nacional, como ainda faz transformando a sua música em algo acessível, comercial e até mesmo radiofônico. À moda de um Kendrick Lamar brasileiro, Rashid fala de preconceito racial (A Cena), sobre perda da inocência (Segunda-Feira) e sobre o abuso no uso da tecnologia (Laranja Mecânica), com domínio pleno dos assuntos, organizando cada letra como se fosse um verdadeiro artesão das palavras, algo digno dos melhores letristas do País da atualidade. E a música de Rashid não é apenas rap feroz, questionando governos, ideologias odiosas e instituições. É um amálgama musical em que, dependendo o trecho, podemos ser surpreendidos com perfumados arranjos que trafegam livremente pelos mais variados estilos, indo num instante da soul music ao rock, da bossa nova a música eletrônica, ou do jazz ao R&B. As toneladas de referências culturais - Breaking Bad, Pulp Fiction, Lupita N'Yongo, Graciliano Ramos, Jorge Lafond, Benjamin Button, Bee Gees - sempre surgem de maneira orgânica, sem forçação, integrando uma rima esperta, inteligente, ágil. Bom seria se músicos quadrados e parados no tempo, como Roger do Ultraje A Rigor e Lobão tomassem contato com um trabalho como este. Talvez pudesse servir como uma pequena aula sobre o Brasil de hoje. E sobre a música na atualidade. Um disco que já nasce moderno. E clássico.

E aí, pessoal? Gostaram da nossa lista! Sim, certamente muitas bandas e artistas que amamos ficaram de fora. Mas, comente conosco, quais os seus melhores do ano?

2 comentários:

  1. Negro Leo, com Água Batizada, não estar nem nas menções honrosas é um disparate!

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  2. NÃ - Farpa... um dos melhores do ano! https://www.youtube.com/watch?v=K-OZHDDyqVA&t=577s

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