segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Disco da Semana - O Terno (Melhor do Que Parece)

Não deixa de impressionar a capacidade que têm os meninos d'O Terno para abordar as mesmas temáticas de outras bandas - as falhas nos relacionamentos amorosos, a inadvertida saudade de alguém, a crítica ao mercado ao qual eles mesmos são integrantes, ou mesmo as vicissitudes da vida e do cotidiano -, mas utilizando-se de um formato todo particular e cheio de personalidade. Não sei se é a ironia fina presente em cada verso, as emanações da Jovem Guarda, de Mutantes ou de outros grupos e vertentes daquele período e que nos deslocam lá para os anos 60, ou mesmo a graça onipresente em cada videoclipe apresentado - sério, se você ainda não viu o recente Culpa, façam AGORA! - mas o caso é que, a cada disco lançado, os paulistanos comandados por Tim Bernardes se apresentam como uma das mais inventivas, criativas e potencialmente inovadoras bandas brasileiras da recém surgida nova safra que, hoje, se convencionou chamar de "Nova MPB".

Funcionando como parte de um processo natural de amadurecimento dentro de sua ainda curta discografia, o terceiro registro da banda, intitulado Melhor do Que Parece, parece abandonar, ao menos em partes, o fraseado direto e até mesmo debochado, de seus trabalhos iniciais, para adotar um modelo um tanto mais sutil. Ainda que, é preciso que se diga, igualmente saboroso e amplo do ponto de vista dos significados. Se em canções como 66 e Zé Assassino Compulsivo do álbum 66 (2012), ou mesmo Vanguarda? e Brazil do homônimo trabalho de 2014 os "alvos" eram os mais variados, agora a guarda parece estar mais baixa, como se pode perceber já no começo do disco. Será que as coisas que eu faço / Penso que não têm problema / Na verdade são pecado / E é por isso que eu me sinto tão culpado? canta Bernardes na divertida e autoexplicativa Culpa, canção que abre o disco, funcionando como uma espécie de carta de apresentação do novo registro.



Como não poderia deixar de ser, as mudanças podem ser percebidas não apenas nas letras, mas no instrumental, que deixa um pouco de lado a fixação por influências das décadas de 60/70 - e de um rock um tanto mais direto - para investir em outros elementos, capazes de formar um todo um tanto mais "robusto". Não à toa, não é difícil encontrar não apenas o acréscimo de efeitos eletrônicos, mas também sopros (tocados por integrantes dos grupos Bixiga 70 e Charlie e Os Marretas), cordas (cortesia de Felipe Pacheco, do Baleia) e até mesmo harpa (tocada por Mariana Mello), capaz de transformar singelas canções como a ótima , em experiências ao mesmo tempo radiofônicas e espaciais, com uma boa dose de psicodelia em cada uma de suas curvas - admitida em entrevista a Revista Rolling Stone como uma clara influência ao Boogarins, que os acompanhou em algumas turnês.

O experimentalismo aparece em outros momentos, como na ótima Lua Cheia, que com sua métrica torta e clima concretista, representa claramente a capacidade do trio de ir para além da alcunha de "banda simpática" para demonstrar uma visceralidade que até já havia aparecido anteriormente, mas com uma dose menor de energia. E se O Orgulho e o Perdão consegue misturar vanguarda com música brega e letra ótima - Me desculpe, meu amor / Mas não posso te perdoar / Meu coração é grande até demais / Mas o que você me fez, não se faz -, a lisérgica Minas Gerais consegue fazer o ouvinte mergulhar no Estado cuja capital é Belo Horizonte, sem nunca lá ter pisado - algo parecido com aquilo que os baianos do Maglore já haviam feito com Salvador, na maravilhosa Avenida Sete.


"Acho que (o disco) tem as músicas mais pop e as mais malucas do que qualquer outra coisa que já fizemos", observou Bernardes, na mesma entrevista já citada a Rolling Stone, admitindo ainda a influência particular de Pet Sounds (1966) dos Beach Boys, no que diz respeito a uma certa exploração mais lúdica - o que não deixa de funcionar como um certo paradoxo no conjunto, especialmente pela inadvertida mescla de música comercial e experimental proposta pelo trio. Independentemente de definições ou da colocação da banda em uma caixinha, o fato é que, com Melhor do Que Parece e suas canções mais maduras e inventivas, - mas sem perder um certo espírito anárquico e juvenil - O Terno se consolida definitivamente como uma das grandes bandas de nosso cancioneiro, deixando o caminho para o futuro totalmente aberto para outras (e ainda maiores) possibilidades.

Nota: 9,3

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