E que resultam em uma nova coleção de canções que abandona, ao menos em partes, a dicotomia campo x cidade - da ótima Amigo dos Bichos e da hoje já clássica Sertão Urbano - para apostar muito mais em temas que envolvem a presença da mulher na sociedade, o empoderamento e o combate a misoginia. Este último que, inacreditavelmente, ainda aparece em debates ideológicos, legitimados por aberrações políticas da (não tão) extrema direita, que bem preferiria uma cantora de estilo submisso e que fosse "bela, recatada e do lar". E certamente não é por acaso que a provocadora canção Falo (num dos melhores títulos de música em duplo sentido da história) brinca com esta condição em seus versos - Já tá cansado da minha voz porque / O tempo todo um timbre feminino é / Pra maioria algo enjoativo / Que tal se agora entrasse um homem aqui?.
Diga-se de passagem a patética condição do homem capaz de "provar" a sua masculinidade da forma mais incorreta possível - seja na base da força ou da virilidade torta fruto de uma sociedade patriarcal -, já é denunciada na inaugural Cetapensâno, grande candidata a música do ano. Com uma saborosa mistura de neotropicalismo e pop minimalista, Salma polvilha cada curva da canção com sua voz selvagem, que tira sarro daquele sujeito que gosta de aparecer, mesmo que pouco tenha a oferecer - Aí, vê! Como eu falei / Co rabo entre as pernas / Taí, como eu previ / Só é macho pras donzela. E, como se fosse um justo complemento, Princesa, que dá nome ao disco, com a sua bateria bem pontuada e guitarra marcante oferece aos (e as) ouvintes outras possibilidades, em um canto que transpira sensualidade.
Longe de parecer um mero "panfleto feminista" (como poderiam acusar alguns), o disco ainda apresenta uma grande variedade de temas. Nesse sentido, diga-se, não seria nenhuma surpresa o álbum se chamar Mil Mulheres, tamanha a quantidade diferente de "eus líricos" encarnados por Salma em cada um dos 57 irresistíveis minutos desse trabalho. E se Eu Te Odeio brinca com as contradições de um relacionamento de forma leve e divertida, Sombra, com seus efeitos eletrônicos e vocal terno retorna para os temas mais pesados, ao passar de raspão pelo tema do suicídio (ainda que de forma poética). E se amizade, admiração e uma vontade única de ficar em casa em uma noite de sábado aparecem na singular Amiga, em Artemísia é o aborto, tratado da forma mais objetiva possível, que dá as caras - doa a quem doer.
"Muitos escrevem a partir de respostas. A Salma escreve a partir de perguntas" resumiu Aquino em entrevista a Revista Rolling Stone, sobre a diversidade e o impacto dos temas tratados pela vocalista e compositora no disco, gravado no Red Bull Station. E que, inevitavelmente, se estendem ao instrumental ora sutil, ora agressivo, capaz de equilibrar na medida certa a guitarra e a bateria pontuadas com efeitos eletrônicos na medida certa. E se o trabalho por vezes parece fragmentado e contemplativo - ainda que em um cenário de "cores" vivas (experimente ouvir Carne Lab sem viajar) - o álbum, ainda que eventualmente heterogêneo, representa um condensado de uma banda segura de seus caminhos e pronta para levar a cena goiana, já tão onipresente no cenário nacional, a outros rincões. Se você ainda não conhece, tá esperando o quê pra dar o play?
Nota: 9,4
Nenhum comentário:
Postar um comentário