quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Picanha.doc - Man Vs. Snake: The Long and Twisted Tale of Nibbler

Lembro como se fosse hoje do início da minha adolescência e da febre desenfreada de jogar Tetris, em meados dos anos 90, em videogames portáteis de procedência duvidosa. Havia uma disputa saudável entre a gurizada da rua em que morava que, em meio a uma partida de tacobol e outra, se sentava na calçada para algumas horas de jogo, com o objetivo de alcançar a maior marca da rua. Era uma "briga" que não interessava para ninguém. Mas para aquele grupo de sete ou oito crianças/adolescentes, ser o detentor do recorde local no game em que os bloquinhos vão caindo, devendo ser organizados de forma a serem eliminados, representava ser o maioral da rua. E não chegava a surpreender o fato de, em pleno horário de almoço, por exemplo, um de nós reunir os demais apenas para mostrar quem era o novo recordista do Bairro Moinhos. Ou da quadra, que fosse.

Esse preâmbulo serve para ilustrar o fato de que, para quem joga videogame, os recordes alcançados em fliperamas ou mesmo em consoles caseiros, são, de fato, extremamente importantes. Por mais estranhos que possam parecer para os demais mortais. E se existe um grande mérito no divertido, nostálgico e despretensioso Man Vs. Snake: The Long and Twisted Tale of Nibbler é encarar jogadores da área não como aberrações espinhentas entrando na puberdade. E sim como sujeitos em disputas que podem determinar inclusive seus destinos, seus comportamentos ou suas personalidades. Sim, videogame é coisa séria para quem joga - eu pendurei, ao menos momentaneament,e o controle do Play 2 já há alguns anos - e o documentário dirigido por Tim Kinzy e Andrew Seklir não deixa de ser uma respeitosa homenagem aos gamers ao redor do globo.


A trama toda é levada muito a sério e acompanha a história de Tim McVey, um homem casado, empregado de uma indústria de eletrônicos no interior dos Estados Unidos, que, aos 16 anos, alcançou a impressionante marca de mais de um bilhão de pontos no jogo Nibbler - aquele mesmo da cobrinha, que foi febre também em celulares Nokia do final dos anos 90. Só que o caso é que o recorde foi quebrado pouco tempo depois por um certo italiano de nome Enrico Zanetti, o que leva Tim a aceitar o desafio de tentar retomar a liderança, se tornando o maior "atleta" de Nibbler do planeta. Só que pra alcançar mais de um bilhão de pontos é necessário jogar mais de dois dias seguidos, SEM PARAR. E o caso é que o tempo passou e agora Tim é o típico americano de meia idade: obeso, sedentário, fã de pizzas com bordas de manteiga e sem a mesma agilidade de raciocínio da juventude. Conseguirá ele alcançar o feito?

Não bastasse ter de superar os números de Enrico, Tim ainda encontra no competitivo jogador Dwayne Richard um rival atual que também tem o mesmo objetivo. Não demora para que a trama de grande leveza ganhe contornos de drama, com Tim se sentindo frustrado pela dificuldade de alcançar o objetivo - por mais que receba, permanentemente, suporte da esposa, de amigos do mundo dos games e da comunidade online que acompanha seus passos. E todos os eventos em que Tim busca retomar a marca são mostrados com grande solenidade, com respeitosas figuras do meio tecendo seus comentários sobre a importância destes recordes e sobre o seu significado para gamers que dedicam as suas vidas a isso. Sem jamais rir de Tim - até mesmo por sua condição de obeso - a obra acompanha a trajetória deste, suas angústias, desejos e intenções, com a câmera muito próxima a ele, fazendo com que nos tornemos quase cúmplices íntimos de seus objetivos.


Sem reforçar qualquer tipo de estereótipo de jogadores de videogame, o documentário ainda aponta para o fato de não haver correlação entre a dedicação ao meio e a vidas solitárias, frustradas ou infelizes. Tim tem uma vida simples, mas gosta do que faz, tem uma mulher amorosa, sua casinha, seu cachorro. O mesmo vale para Enrico, que, aos 40 anos, é professor de artes marciais, mantendo-se um sujeito altamente atlético e cuidadoso com a sua saúde - num contraponto capaz de provar que o nosso comportamento será o resultado de mais de uma experiência em relação ao mundo em que vivemos, certamente. Divertido ao mostrar as idílicas pedaladas de Tim pela cidade ou as cenas "de arquivo" feitas em formato de animação - certamente como forma de compensar a escassez de imagens de época - Man Vs. Snake é aquele tipo de documentário absolutamente saboroso de assistir. E para quem pegou o joystick ou esteve diante de um arcade pelo menos uma vez na vida, o filme se torna ainda mais bacana.

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