segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Cinemúsica - Forrest Gump: O Contador de Histórias

Forrest Gump: O Contador de Histórias (Forrest Gump) é o cinemão por excelência. Se por um lado equilibra a tradição do filme épico - com seus protagonistas heroicos e eventos históricos -, por outro, com estilo fluído e despretensioso, resulta em uma daquelas saborosas obras que conhecemos pela alcunha de Estilo Sessão da Tarde. No auge de sua capacidade de atuação, Tom Hanks, que ganharia o seu segundo Oscar seguido pelo papel (no ano anterior já havia vencido pela comovente caracterização de um jovem advogado diagnosticado com o vírus da AIDS em Filadélfia), interpreta o protagonista. Um sujeito de modos simples, inadvertidamente tímido e inseguro e, ainda por cima, com QI abaixo da média. Mas que, devido a sua quase milagrosa persistência, consegue ser figura onipresente em uma série de acontecimentos reais da história americana recente se tornando, de quebra, um homem de negócios bem sucedido - bem ao modo como amam os americanos, diga-se.

Lembra do Tourist Guy que, após os eventos relacionados ao 11 de setembro, teve uma série de fotos (fictícias, claro), divulgadas em acontecimentos catastróficos históricos? Bom, Forrest teve uma vida parecida e, certamente, menos trágica. Em sua trajetória, que começa com o inevitável bullyng na escola por conta de um problema de coluna que o faz usar um aparelho nas pernas (que milagrosamente desaparece), o jovem ensinará Elvis Presley a requebrar. Após, jogará futebol americano, sendo campeão do Super Bowl. Será combatente na Guerra do Vietnã, recebendo medalha de honra das mãos do presidente Lyndon Johnson pelo resgate heroico de colegas, entre eles o Tenente Dan (Gary Sinise). Conhecerá também os presidentes Kennedy e Nixon, sendo um dos responsáveis diretos pelo escândalo de Watergate. Inspirará John Lennon para a canção Imagine, será fera em tênis de mesa e se tornará magnata da indústria de camarões enlatados. E tudo isso sem esquecer aquela que ele considera o amor de sua vida, Jenny (Robin Wright). Ufa!



Não bastasse a inserção do protagonista em imagens e fotos históricas - em um trabalho bacana e divertido de edição de Arthur Schmidt, que seria premiado com o Oscar - o diretor Robert Zemeckis ainda reforça a ideia do filme enquanto painel semidocumental de um cenário político-ideológico-cultural da segunda metade do século 20, por meio da inserção de um verdadeiro catálogo de clássicos musicais do período. Se as cenas nos fazem rir e chorar numa mescla soberba e orgânica de estilos, a presença de canções de grupos e artistas tão distintos, como, Joan Baez, The Mamas & The Papas, The Doors, Simon & Garfunkel, Aretha Franklin, Beach Boys, The Byrds e Bob Dylan, só torna a experiência ainda mais saborosa. Nesse sentido, não há exatamente um momento que se sobressaia e sim um conjunto capaz de trazer a baila a importância do legado da contracultura - especialmente nas cenas com Jenny - como um contraponto aos valores preponderantes do "sonho americano", como o patriotismo, o consumismo e a importância da ascensão social. (ainda que a morte de Jenny ao final e a exaltação dos "feitos" alcançados por Forrest, vamos combinar, signifique EXATAMENTE o contrário)

Não é por acaso que a presença de canções como Volunteers, do Jefferson Airplane (Look what's happening out in the streets / Got a revolution, got to revolution), Respect, da Aretha Franklin (All I'm askin' (oo) / Is for a little respect when you come home), além da autoexplicativa  What the World Needs Now Is Love, de Jackie DeShannon, são tão representativas para ilustrar um mundo que se mostrava em permanente transformação. E que possibilitava, por exemplo, a ascensão e o reconhecimento por parte da sociedade de um jovem "problemático" como Forrest. Talvez não seja exagero, nesse sentido, entender a jornada de Forrest e o fato deste ter "vencido na vida" contra todas as possibilidades, como uma espécie de mensagem de crença nas potencialidades, independente de cor, raça, credo ou capacidade intelectual. Sim, parece autoajuda, e talvez seja. Ainda que meio difusa, já que o filme parece mais voltado a americanos, brancos, conservadores, religiosos e bem sucedidos.


Bom, talvez Forrest Gump não seja um filme tão profundo. Ou mesmo as canções talvez não quisessem passar toda essa mensagem - há muitas críticas a presença do amigo Bubba (Mykelti Williamsom) como um mero coadjuvante que parece passar pelos mesmos problemas. Mas gosto de pensar na obra de Zemeckis, que no fim faturaria a estatueta dourada máxima daquele ano (injustamente, diga-se: é só ver a lista de indicados), como uma obra de mais envergadura do que parece, mesmo que tenha um pé na aventura e no cinema de ação despretensioso, capaz de resvalar ainda no drama romântico. Intencional ou não o caso é que a trilha sonora, lançada em disco duplo com 34 clássicos do cancioneiro americano, foi uma das mais vendidas da história, com mais de 12 milhões de cópias comercializadas. "O objetivo foi fazer uma linha do tempo através da música sem interferir na história que estava sendo contada", explicou na época o produtor musical Joel Sill, no livro Música Pop no Cinema, de Rodrigo Rodrigues. Mas com tantos clássicos, com tantos petardos inesquecíveis, o que menos ocorre com essa trilha é ela passar despercebida.

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