quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Cine Baú - Ladrões de Bicicletas

De: Vittorio De Sica. Com Lamberto Maggiorani, Enzo Staiola e Lianela Carell. Drama, Itália, 1948, 93 minutos.

Peça central do movimento conhecido como Neorrealismo Italiano, o filme Ladrões de Bicicletas (Ladri di Biciclette), de Vittorio De Sica, talvez possua uma das cenas mais comoventes da história do cinema: no pós-guerra romano, um pai desempregado (e desesperado) leva seu filho para jantar em um restaurante chique e lotado de famílias da alta sociedade, com direito a música ao vivo e tudo o mais. Mesmo claramente sem condições de bancar uma refeição naquele local, o homem faz de tudo para possibilitar ao jovem esse momento. Ainda que isto represente, futuramente, o comprometimento total daquilo que restará de suas finanças, já que uma extravagância do tipo não seria possível em um contexto de crise, de falta de emprego e de inflação galopante, que levaram muitas famílias italianas a uma condição de miséria, em meados da década de 40.

O homem em questão é Antonio Ricci (Maggiorani), um trabalhador de origem humilde que luta para garantir o sustento da família, composta ainda pelo menino Bruno (Staiola) e pela esposa Maria (Lianela). A sorte volta a sorrir para o Antonio quando ele consegue um bico como colador de cartazes de propaganda de cinema. Ainda que a vaga só seja viabilizada após a mulher penhorar as roupas de cama da família, o que possibilitará ao homem a aquisição de uma bicicleta - veículo necessário para a realização da atividade. O inesperado roubo da bicicleta em um momento de desatenção, fará com que Antonio empreenda uma verdadeira jornada atrás do bem - passando por lugares que funcionam como desmanches ou mesmo indo atrás de qualquer sujeito que tenha uma bici parecida -, que possa tornar possível o seu ofício.




De Sica - que mais tarde filmaria ainda outros clássicos, como Ontem, Hoje e Amanhã e O Jardim dos Finzi-Contini - enche a tela com imagens desoladoras de uma Itália abalada pelos anos que se sucederam ao desfecho da Segunda Guerra Mundial. A estante interminável de roupas que se encontra na Casa de Penhora, os bondes constantemente lotados e o desespero dos vendedores em garantir um trocado qualquer no mercado negro de itens usados, dão uma dimensão dos problemas sociais que os italianos enfrentavam na época. E, evidentemente, do abismo que havia entre as camadas mais abastadas e a porção mais humilde da sociedade, situação que De Sica apresenta sem concessões. E que fica clara também no desespero dos desempregados diante de qualquer possibilidade de emprego, ainda que seja em algo temporário - o que pode ser observado nas cenas que fazem lembrar ainda o clássico Sindicato de Ladrões, que já figurou anteriormente nesse quadro.

O cinéfilo mais atento talvez não estranhe a completa ausência de nomes mais conhecidos no elenco da obra-prima, o que se explica pelo fato de De Sica ter optado pela utilização de atores não profissionais entre os envolvidos com a produção. O que não impediu as ótimas atuações - com destaque para o menino Staiola - que contribuem de maneira efetivamente genuína para o clima de desolação instalado pela película. Ainda que não seja o principal representante do Neorrealismo Italiano - Roberto Rossellini segue imbatível com o seu Roma, Cidade Aberta (1945) - o filme, que conquistou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (o que não deixou de ser uma surpresa, já que a obra foi taxada pelos críticos de "comunista"), segue sendo uma película de fácil identificação, tenra e de uma melancolia doce - especialmente nos momentos que envolvem a relação entre pai e filho -, capaz de humanizar plenamente o protagonista que vive em uma situação limite. 




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