terça-feira, 27 de setembro de 2016

Cinema - A Comunidade (Kollektivet)

De: Thomas Vinterberg. Com Ulrich Thomsen, Trine Dyrholm, Lars Ranthe, Fares Fares e Julie Agnete Vang. Drama, Dinamarca / Holanda / Suécia, 2016, 107 minutos.

Nunca óbvia a filmografia do dinamarquês Thomas Vinterberg - integrante do famigerado movimento Dogma 95 - pode dividir opiniões, por apresentar as suas ideias muitas vezes soterradas por camadas de "cinema cabeça", que mais parecem querer esconder qualquer lógica por trás do que revelar um objetivo eventualmente mais... direto. Foi assim com a distopia futurista Dogma do Amor (2003), que dava conta de uma humanidade literalmente mais fria, doente e individualista, com o líbelo antiarmamentista Querida Wendy (2004) e até mesmo com o recente A Caça (2012) - mais bem-sucedida incursão do diretor - que subvertia a lógica existente por trás de um caso de estupro de menor. Enfim, nunca é um cinema fácil. Por vezes pode até parecer ser meio metido a besta. E, é preciso que se diga que, em partes, parece ser exatamente este o caso de A Comunidade (Kollektivet), em cartaz nas salas do País.

Bem longe de ser uma obra ruim, o problema de A Comunidade parece ser a permanência no meio termo. Sem se arriscar demais no debate - seja ele político, ideológico, cultural - Vinterberg parece disposto a avançar só um passinho adiante, para em seguida recuar, levando a película para uma zona de conforto certamente desnecessária - e que acaba por jogá-la, infelizmente, na vala comum. A trama nos apresenta ao casal Erik (Ulrich Thomsen) e Anna (Trine Dyrholm). Ele, um arquiteto, frio, cartesiano, lógico, conservador. Ela uma apresentadora de TV de (aparente) espírito livre, agregadora, sonhadora, idealista. Ao herdar, nos anos 70, uma casa de mais de 400 m² no subúrbio de Copenhague o casal decide, com o apoio da filha de 14 anos, formar uma espécie de comuna com o objetivo de viver com outras pessoas que possam auxiliar nos cuidados do local - e também com suas despesas, evidentemente.



Após um rápido preâmbulo, algumas pessoas são escolhidas a dedo - antigos amigos, amantes, colegas de trabalho - e outras desconhecidas são entrevistadas, com a intenção de formar o grupo definitivo. É claro que em uma "família" com tantas personalidades, comportamentos e estilos de vida diferentes a tendência de a ideia não funcionar direito é alta - mais ou menos como ocorre no (des)encontro de Festa de Família (1998), estreia de Vinterberg. Erik, por exemplo, tem dificuldade em aceitar o estilo despojado do desempregado Allon (Fares Fares). Já para Ole (Lars Ranthe), as despesas com bebidas alcoólicas poderiam ser divididas por todos - inclusive por aqueles que não bebem. Mas a situação se torna insustentável mesmo quando aparece na vida do grupo uma moça chamada Emma (Helene Reingaard Neumann), aluna e amante de Erik.

A chegada de Emma representará o começo da ruína de Anna, pelo simples fato de a protagonista travar uma luta interna entre aquilo que ela acredita ser um ideal - a vida livre, o relacionamento aberto e o sentimento de comunidade - e aquilo que lhe diz o coração. É um confronto entre nossas crenças e e aquilo que, de fato, fazemos - e talvez aí resida um dos maiores méritos do filme, ainda que esta lógica possa soar eventualmente machista para alguns. Anna e Erik se gostam, se respeitam, se amam. Mas até que ponto um ideal pode estar acima disso? Sem fazer concessões no que diz respeito a sua carga dramática, a obra traz altíssimo grau de exigência para a interpretação de Dyrholm, outro ponto positivo, capaz de dizer muito apenas com o movimento do corpo, com o olhar ou mesmo com os silêncios. Ainda assim a obra, como um todo, fica no quase - e talvez com mais profundidade ou mesmo melhor caracterização de época as ideias pudessem ter sido melhor exploradas.

Nota: 6,3

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