quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Tesouros Cinéfilos - Las Acacias

De: Pablo Giorgelli. Com Germán De Silva, Hebe Duarte e Nayra Calle Mamani. Espanha / Argentina, Drama, 2011, 85 minutos.

O cinema sul-americano, especialmente aquele que se passa no interior, possui uma "aridez" tão natural que, salvo algumas raras exceções, os filmes hollywoodianos dificilmente conseguem alcançar. Não sei se é a expressão sofrida das personagens, os cenários desoladores (e cheios de pobreza e simplicidade), as claras e verdadeiras diferenças sociais ou a geografia acidentada, mas o caso é que as obras colombianas, peruanas, argentinas e brasileiras tem um charme local que, é preciso que se diga, não é apenas bairrismo. É algo maior, que faz com que histórias, por mínimas que sejam, se transformem em amplos painéis a respeito da realidade não apenas de um sujeito, mas de uma nação - ou até de um continente - inteiro. É exatamente este o caso do premiadíssimo Las Acacias (Las Acacias) do diretor Pablo Giorgelli, que inaugura o nosso quadro dos Tesouros Cinéfilos, que busca aquelas obras pequenas do circuito alternativo - independente do País de origem - e que merecem ser vistas (ou descobertas).

A ideia com este preâmbulo não é a de reduzir a importância dos astros do cinema americano na caracterização de personas, quaisquer que sejam. Talvez seja viagem de minha parte - vocês me digam -, mas uma coisa é o Brad Pitt ou o George Clooney interpretando um caminhoneiro solitário, taciturno ou de modos rudes. A outra é o absolutamente convincente Germán De Silva que, no caso de Las Acacias, é quem representa este papel. Pitt e Clooney sempre estarão no imaginário coletivo como superestrelas famosíssimas, ricas e cheias de convites para tudo quanto é filme e programa de TV - o que talvez possa dificultar, eventualmente, qualquer tipo de dissociação de interpretação em  relação ao meio em que vivem. Já Germán... quem será ele? O fato de, após uma busca no Google, descobrir que o nome dele aparece atrás do de um maratonista mexicano famoso e homônimo, pode dizer muita coisa. Talvez ele seja um caminhoneiro verdadeiramente. Eu não duvidaria.



No filme, o ator interpreta Rubén, que trabalha para uma empresa que "corta e transporta mato" - como conhecemos por aqui os operários que passam os seus dias derrubando árvores de Acácia Negra, que serão transformados em madeira de queima tanto na indústria, como nas lareiras de famílias mais abastadas. Assim parece ser a muitos anos - e o seu olhar distante e pouco esperançoso, já no início dessa pequena obra-prima, parece nos acenar para uma rotina repetitiva e com baixa perspectiva de mudança. Em um certo dia, partindo de Assunção, no Paraguai, com uma carga de dezenas de toneladas de toras de madeira, ele é incumbido pelo seu chefe, de nome Fernando, a dar carona a uma mulher até Buenos Aires. O que já não parecia ser lá uma tarefa muito atraente, de saída - mais de mil quilômetros na companhia de alguém que ele não conhece - se torna pior quando a mulher, de nome Jacinta (Hebe Duarte), aparece atrasada e com um bebê a tiracolo.

Inicialmente somente o que conseguimos é lamentar por ambos os protagonistas. Rubén parece ser um sujeito grosseiro e estúpido, não hesitando inclusive em fumar na frente de Jacinta e da criança - com as janelas fechadas - como forma de demonstrar o seu desgosto pela situação. Já Jacinta, por estar recebendo uma carona, parece fadada a ter de suportar os caprichos de um caminhoneiro mau humorado e desinteressante. Mas ocorre que de Assunção a Buenos Aires são mais de vinte horas de viagem, de paisagens contemplativas, de dias que se tornam noites, de paradas obrigatórias e de solidão sufocante. Condição que fará com que o cenário, aos poucos vá se modificando, com as primeiras (e secas) trocas de palavras, até o encontro de pontos em comum, de trocas de confidências e de uma improvável aproximação.


Giorgelli, que recebeu a premiação na Mostra Um Certo Olhar de Cannes - que agracia diretores estreantes - realiza a obra sem nenhuma pressa. Não à toa, a aproximação inicial se dá com muito menos palavras e muito mais gestos e trocas de olhares. (e o olhar ao mesmo tempo terno e melancólico de Jacinta a Rubén em dezenas de momentos, torna tudo ainda mais arrebatador). Utilizando muitas vezes o espelho retrovisor como uma espécie de metáfora para aquilo que representa o passado em transição para um futuro - que pode ser igual, ou não - o diretor ainda utiliza a sutileza ao seu favor, sendo absolutamente fenomenal assistir o nervosismo de Ruben, que praticamente COME um cigarro ao descer do caminhão, tamanho o seu nervosismo diante de fatos que ele mal consegue explicação, já no terço final. E se a cenografia e o desenho de produção contribuem para a condição de verossimilhança - reparem como os vidros sujos do caminhão, por exemplo, representam a persistência não apenas do homem, mas do veículo, em suas infinitas horas na estrada - a conclusão absolutamente singela, emocionante e irresistível fecha esse verdadeiro tesouro de uma forma que, certamente, não aconteceria se os protagonistas fossem Pitt ou Clooney. Sem exagero. Com calma. Sem pressa. É a verdadeira poesia em forma de cinema. Vale ver.

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