quarta-feira, 28 de setembro de 2016

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - 7 Caixas (Paraguai)

De: Juan Carlos Maneglia e Tana Schémbori. Com Celso Franco, Lali González, Victor Sosa e Nico Garcia. Suspense / Drama, Paraguai, 2012, 105 minutos.

A lista de filmes produzidos no Paraguai ainda é tão incipiente que, em uma eventual busca na Wikipedia - sei que não é a melhor fonte, mas geralmente ela costuma organizar relativamente bem materiais que formem esse modelo de "almanaque" -, o único filme citado é 7 Caixas (7 Cajas), estrondoso e surpreendente sucesso lançado em 2012, pelos diretores Juan Carlos Maneglia e Tana Schémbori. Nesse sentido, não é por acaso que o escolhemos para inaugurar mais um novo quadro aqui no Picanha. O A Volta ao Mundo em 80 Filmes procura jogar alguma luz em produções de países que possuem pouca (pra não dizer nenhuma) tradição, no que diz respeito a sétima arte. Aqui, ao invés de obras italianas, austríacas, francesas ou iranianas - como ocorre em outros quadros, como o de Tesouros Cinéfilos -, predominarão películas da Arábia Saudita, Letônia, Papua Nova Guiné, Venezuela ou qualquer outro que não tenha muita expressão.

E saber da história política recente do Paraguai - que passou mais de 30 anos mergulhado no regime militar de Alfredo Strossner (mais ou menos o mesmo período em que o País ficou sem lançar filmes) - torna 7 Caixas, a despeito das eventuais limitações ou de um ou outro abuso de clichês, uma verdadeira preciosidade. A história é narrada a partir do ponto de vista do jovem Victor (Celso Franco), que passa os seus dias tentando ganhar a vida como carregador de compras em uma espécie de Mercado Público de Assunção. Em meio a uma negativa e outra e a competitividade entre os carreteiros ele nutre, ainda, o sonho de ser ator de novelas (ou de Hollywood) - e não é por acaso que ele fica praticamente embriagado de prazer sempre que passa por alguma tela de TV que esteja exibindo qualquer programa no estilo.



A paixão pelo audiovisual se torna ainda mais obsessiva quando sua irmã lhe tenta vender um celular que faz gravações de vídeo - por mais toscas (do ponto de vista técnico) que estas sejam, dada a precariedade do aparelho, que remonta aos modelos que eram comercializados no final dos anos 90 - período em que, muito provavelmente, a trama ocorre. A chance para a aquisição do aparelho surge com força quando ele é contratado, meio as escondidas, por um açougueiro para carregar sete caixas para um lugar que, futuramente, lhe será indicado. Enquanto realiza a tarefa, que parece indicar a existência de algum tipo de negócio escuso por trás, ele será persesguido não apenas pela polícia, com suas permanentes "verificações de rotina" realizadas no mercado, mas também por outro carreteiro, que queria ter obtido o trabalho. Além dos trombadinhas, prontos pra fazer algum saque.

Tratando o mercado como um local absolutamente insalubre, geograficamente complexo e quente, a dupla de diretores constrói uma obra tão cheia de reviravoltas e surpresas - equilibrando clima policialesco de literatura pulp com suspense urbano - que fica praticamente impossível não se envolver com o drama dos personagens. São muitas "frentes" querendo aquelas caixas e o mistério por trás do conteúdo delas é uma das peças-chave desse magnífico quebra-cabeças. Trazendo ainda personagens que mais parecem saídos de histórias em quadrinhos - o seboso vilão interpretado pelo astro Nico García é simplesmente inacreditável - a obra ainda equilibra na medida certa os momentos de humor e tensão, ainda que, em linhas gerais, será o sentimento de desolação diante de um sistema que falha estupidamente, aquilo que irá se sobressair.


Com um estilo de filmar que emula, ainda, obras como Quem Quer Ser Um Milionário? e, mais especificamente, Cidade de Deus, Tama e Maneglia não se furtam em utilizar artifícios como câmera-lenta, visão subjetiva e imagem granulada que, somados aos enquadramentos sempre aproximados de seus personagens, transformam o já citado mercado em um local absolutamente sufocante. Reservando ainda para o terço final uma espécie de "final feliz oblíquo", o filme ainda flerta, timidamente, com o sensacionalismo da televisão e a ambição pela fama. Visto por mais de 250 mil pessoas no Paraguai - o que, dado o mercado restrito representa o recorde de visualizações, superando Titanic - 7 Caixas recebeu dezenas de premiações mundo afora e pode representar um novo caminho para o cinema dos hermanos. Quem sabe assim a expressão "filme do Paraguai" possa deixar de ter apenas um sentido.

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