O desavisado que for assistir a série Derek - disponível na plataforma de streaming Netflix -, atraído pelo nome do comediante Ricky Gervais, pensando se tratar de um programa puramente de humor, vai se enganar redondamente. Digamos que, por já ter lido alguma coisa previamente a respeito da série, já imaginava (mais ou menos) o que iria encontrar: episódios com alta carga dramática, em uma trama recheada de personagens interessantes e de personalidades múltiplas, que passam os seus dias no asilo Broad Hill. O Derek em questão (vivido pelo próprio Gervais), é um funcionário do local, que ajuda os internos nas atividades mais prosaicas. Como uma espécie de Amelie Poulain em meio aos velhinhos, Derek, do alto de sua ingenuidade e de seu comportamento todo particular, vê somente o lado bom do ser humano.
Gravada como se fosse uma espécie de documentário, com cada um dos integrantes se dirigindo a câmera, eventualmente, a série nos apresenta ainda uma verdadeira coleção de personagens marcantes. A comediante Kerri Godliman é Hannah, a coordenadora do local, uma workaholic que, dada a sua dedicação, mal tem tempo para prestar atenção no namorado Tom (Brett Goldstein), que também é neto de uma das residentes. Dougie (Karl Pilkington) é o "faz tudo" do asilo, realizando consertos na parte elétrica e cuidando do jardim. Já Kev (David Earl) é aquele sujeito que, dada a virgindade aos 40 anos, vê em todas as coisas ao seu redor (inanimadas ou não), uma possibilidade de sexo. O que garante a parte cômica de cada episódio, ainda que pautada basicamente pelo absurdo! Tem ainda a estagiária, o novo contratado e os residentes, cada um com seu jeito de ser.
Mas o destaque mesmo é o protagonista. Derek gosta de vídeos no Youtube com animais. E de animais em
geral. Também gosta muito de luta livre - arriscando alguns movimentos
com seus colegas de trabalho. Em seu dia a dia, lhe agrada fazer perguntas sobre quem venceria uma briga entre, por exemplo, o câncer e a Aids, se ambos se enfrentassem. Derek não recebe nada de ninguém e dá tudo o que pode em troca. Tem paciência com os idosos e coloca o dever em primeiro lugar. A propósito, lhe deixa feliz saber que os velhos estão felizes. "Eles não têm muito tempo de vida, então cada minuto importa", acredita. Derek conheceu pessoas boas que não acreditam em Deus e pessoas ruins que acreditam. Como todos nós. Derek chora quando algum dos velhinhos morre. Mas se eles estiverem felizes nesse momento, é o que importa.
Derek se pudesse pedir alguma coisa, desejaria criar uma pílula para que as pessoas horríveis se tornassem boas. E que as aranhas ficassem longe, mas não sofressem. "Ah, e que os amigos não pegassem Aids", lembra. Em sua rotina, percebe que os velhos só ficam quietos por que ninguém lhes pergunta, já que eles adoram falar. "Basta um sorriso para ver como eles ganham o dia", garante. Ricky Gervais, na pele de Derek, ladeado por uma coleção incrível de personagens, nos faz rir e chorar o tempo todo, criando situações cotidianas - a morte de um cachorro, a tentativa de fechamento do asilo, o reencontro com o pai, um concurso de talentos, uma aniversário especial, os atos singelos, o carinho para com desconhecidos -, que nos fazem refletir sobre tudo aquilo que fazemos no nosso dia a dia. Sobre como nos comportamos, sobre como somos em relação aos outros. Somos individualistas? Temos empatia? Somos presunçosos? Preconceituosos? Afáveis? Indiferentes?
Tratando com o maior respeito e amor do mundo o sujeito que interpreta, Gervais não apenas constrói uma das mais fascinantes séries recentes. Ele inverte a lógica de suas composições (normalmente divertidas), ao nos apresentar a um sujeito de características únicas - não apenas físicas - capaz de encantar a todos a sua volta. De quebra ainda dá um verdadeiro show de interpretação ganhando o espectador, em muitos casos, só no olhar. Sim, tem algum escracho, tem lá alguma bobagem (que aparentemente poderia parecer) desnecessária. Mas há o respeito pelos seres humanos, sejam eles brancos, pretos, gordos, altos, baixos ou magros. O mesmo pelos animais. Pelos idosos. Ou até mesmo pelo "diferente" - se é que ele existe. Só isso já faz valer a pena.
Nenhum comentário:
Postar um comentário