De: Bong Joon-ho. Com Robert Pattinson, Steven Yeun, Mark Ruffalo e Toni Collette. Ficção Científica / Comédia / Aventura, Coréia do Sul / EUA, 2025, 138 minutos.
"Ei, Mickey, qual a sensação de morrer?". Essa é uma pergunta que o protagonista de Mickey 17 (Mickey 17), vivido por Robert Pattinson, ouve diversas vezes no transcorrer da história. Como é esse sentimento? "Digamos, você está acostumado com isso". E, bom, esse dilema poderia marcar o ponto de partida de mais uma ficção científica com um viés mais existencialista - e que é o tipo de projeto que, em muitos casos, adoro. Aliás, não são poucos os exemplos bons de distopias do tipo - de bate-pronto lembro do ótimo Lunar (2009), que deve estar escondido em alguma plataforma de streaming e que fez sucesso antes de Black Mirror ser o que é hoje. Só que essa coisa de o mundo em 2025 operar como um grande Black Mirror em edição estendida traz também um problema: parece mais difícil sermos surpreendidos. Ou nos impressionarmos. Ainda mais ao sabermos que as consecutivas mortes de Mickey são apenas parte daquele contexto. Como é partir desta pra uma melhor? Ou, mais do que isso, como é ser simplesmente descartado? São perguntas que param no meio do caminho.
Porque o caso é de que nessa obra de Bong Joon-ho - sim, o nome por trás não apenas do oscarizado Parasita (2019), mas também de outras joias do cinema alternativo, como Expresso do Amanhã (2013) e Okja (2017) -, pouco importa a morte, a vida ou as possíveis reflexões sobre luto, memória, futuro ou passado. O capitalismo tardio é um problema de AGORA e é nele que o livro do romancista Edward Ashton, escrito em 2022, parece centrar sua força. Sim, as questões tecnológicas estão todas ali - e as operações que envolvem esses avanços podem até gerar um certo impacto (especialmente do ponto de vista do mercado, dos empregos e da substituição do homem pela máquina). Só que, nesse sentido, diferentemente do que ocorre em experiências mais metafísicas, aqui temos o exame da necessidade apenas de sobreviver. De ascender. De forma inadiável e individualista. Nem que para isso seja necessário morrer. Para viver. Num paradoxo legítimo do século.
Em alguma medida, esse tipo de conflito em um cenário pós-apocalíptico, com pessoas tentando sair de um espaço de vulnerabilidade a qualquer custo, já havia sido explorado no citado O Expresso do Amanhã. Aqui, Mickey é um sujeito de vida simples, um empresário do baixo escalão que, desesperado com a perseguição de um agiota com cara de poucos amigos que deseja a sua cabeça numa bandeja, resolve se inscrever em uma expedição espacial em um cargo nomeado de "dispensável" - que é o integrante da tripulação incumbido de realizar uma série de tarefas perigosíssimas no espaço e em novos planetas. Tarefas que podem resultar na sua morte, o que não chegará a ser exatamente um problema, já que ele já teve uma morte previamente induzida (de seu eu real), com sua memória sendo preservada e restaurada, o que lhe permitirá uma espécie de retorno infinito a partir de um processo de reimpressão (em que ele ressurge como um clone, com mente reimplantada e tudo). Sim, parece estranho. É. E até aí tava tudo mais ou menos interessante.
Só que não demora para que Mickey desenvolva um sentimento de paixão - algo legitimamente humano - pela agente de segurança Nasha (Naomi Ackie), que é outra viajante que está na expedição em direção do gelado planeta Niflheim. E, como dei a entender anteriormente, as coisas dentro da nave poderiam ser bastante estranhas se não fosse a vida real. Do mundo que fica pra trás pouco se sabe, que não seja o fato de o nosso planetinha ter se tornado uma espécie de Terra de ninguém. A replicação de clones não está permitida em solo terrestre, até mesmo pela controvérsia que poderia gerar (e é uma pena que não haja mais espaço para esse debate). Ainda assim o congressista Kenneth Marshall (Mark Ruffalo), que parece uma mistura de Elon Musk com Donald Trump (bem apropriada ao momento), deseja levar seu plano de colonização adiante. Arrumando uma brecha para que o procedimento da cópia humana role solta no espaço. E, bom, depois disso o filme envereda pra ação, pra perseguição, com clones dos clones em confronto, um romance torto que a gente nunca se importa inteiramente, um líder lunático tentando dominar o universo, uns bichos meio estilo Star Wars bem amigáveis e um sem fim de alegorias caóticas que poderiam ser resumidas com um "veja bem, galera, talvez pudéssemos ser melhores do que isso". Só que é um filme que morre pelo caminho. E não há clone que resolva.
Nota: 5,5