De: Alfred Hitchcock. Com Jane Wyman, Marlene Dietrich, Richard Todd e Alastair Sim. Suspense / Drama, Reino Unido, 1950, 110 minutos.
Muitas vezes tido como um filme menor de Alfred Hitchcock, Pavor nos Bastidores (Stage Fright) possui uma camada mais abaixo que parece dialogar perfeitamente com os cenários labirínticos da casa de espetáculos em que boa parte da trama se desenrola. E que envolve o poder da atuação. Da persuasão. Da arte de interpretar papeis e, em última análise, enganar o público. Filmes de suspense com triângulos amorosos, mulheres fatais, investigadores charmosos, assassinatos e motivações escusas não eram uma novidade nos anos 50 - e o próprio diretor inglês já havia encarreirado alguns clássicos no gênero. Mas aqui há uma alegoria meio óbvia sobre papeis se modificando o tempo inteiro, como no caso de Eve Gill (Jane Wyman), a aspirante a atriz que, mais adiante se converte não apenas em uma jornalista improvisada, mas também em uma empregada.
Claro que esse comportamento camaleônico tem um propósito: o de proteger o namorado Jonathan Cooper (Richard Todd), que se torna o principal suspeito do assassinato do marido da excêntrica cantora Charlotte Inwood (Marlene Dietrich), com quem estaria tendo um caso. Mas claro que num ambiente teatral e de ilusões como o dos palcos, nada será o que parece. Quando o filme - que é inspirado em um romance de 1947 escrito por Selwyn Jepson - inicia, Jonathan interrompe um ensaio de Eve para lhe relatar um grave caso: o de que Charlotte o teria visitado após assassinar o próprio marido, com o vestido sujo de sangue. Para auxiliá-la, o sujeito teria ido até a casa da cantora para buscar uma outra muda de roupas, tendo na ocasião a ideia de modificar o cenário, mexendo em moveis, quebrando portas, espalhando papeis para dar a impressão de ter havido, ali, um assalto brutal.
Só que, enquanto o marido de Charlotte jaz no chão, Jonathan é surpreendido por Nellie Goode (Kay Walsh), a governanta que retornava a casa e que, talvez o tivesse flagrado lá dentro. Em resumo, ele consegue fugir da polícia e agora precisa da ajuda de Eve, que o leva até a casa do seu pai (Alastair Sim), um sujeito bem humorado e extravagante que reside na costa, em uma residência idílica. Só que enquanto protege o namorado, Eve inicia uma espécie de investigação a parte. Primeiro faz amizade com o detetive Wilfred Smith (Michael Wilding). Após, finge ser uma repórter que está escrevendo uma matéria sobre o caso, subornando Nellie para que ela se finja de doente, apresentando Eve como a prima distante Doris, para que esta passe a trabalhar com Charlotte. Esse vai e vem parece confuso e parte do charme está justamente no esforço da protagonista em modificar de papel a cada novo encontro - o que faz a narrativa se desenrolar.
Por fim, Eve acha um tanto curioso o fato de Charlotte ter recém se tornado viúva, o que não a impede de se apresentar nos palcos. "O show tem de continuar", afinal - e é inegável o impacto da ambígua cena em que a personagem de Dietrich se apresenta em um palco onírico, cheio de plumas e outros adereços, ao som de The Laziest Gal in Town, de Cole Porter (aquela dos clássicos versos "não é porque eu não deveria / Não é porque eu não faria / E, você sabe / Não é porque eu não poderia / É simplesmente porque / Eu sou a garota mais preguiçosa da cidade"). Com idas e vindas, excelentes interpretações e ótimas surpresas, Pavor nos Bastidores seria criticado, mais tarde, por enganar o público até demais, utilizando como recurso um flashback pouco confiável (pra não dizer falso). Ainda assim, se levarmos em conta o uso do próprio teatro como símbolo da arte - escapista ou não - e de como nos refugiamos por duas horas nesse espaço tão artificial quanto elegante, o fato de sermos deliberadamente manipulados, nos parecerá apenas mais um truque certeiro de Hitchcock. Eu passo pano.
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