quarta-feira, 16 de abril de 2025

Tesouros Cinéfilos - Quase Famosos (Almost Famous)

De: Cameron Crowe. Com Kate Hudson, Patrick Fugit, Billy Crudup, Frances McDormand e Philip Seymour Hoffman. Comédia, EUA, 2000, 122 minutos.

"Blue jean baby, LA lady / Seamstress for the band / Pretty eyed, pirate smile / You'll marry a music man". Existem alguns filmes que possuem algum tipo de mágica meio inexplicável, que faz com que pareçam envoltos em uma névoa nostálgica. Em linhas gerais essas costumam ser obras sonhadoras - mas um tipo de sonho meio vida real, de memória afetiva (ainda que nem saibamos direito o por quê), que vai direto ao coração. Vocês que são fãs de cinema, certamente já sentiram isso. Aliás, hoje em dia no mundo das artes existe todo um mercado que evoca esse tipo de saudade tão carinhosa quanto melancólica. De lembrança sombria, mas que entusiasma. A nostalgia, ao cabo, vende. E devo confessar que é justamente esse o tipo de sentimento que me invade, a cada vez que reassisto o Quase Famosos (Almost Famous), filme de Cameron Crowe que reestreou no Max e que completa 25 anos de lançamento nesse 2025.

Pra quem viria a se tornar jornalista - meu caso -, tendo passado parte da juventude acumulando edições de revistas como Showbizz, SET e Bravo!, o sonho de integrar uma editoria de cultura era quase onipresente. O leitor, em muitos casos, queria ser aquelees repórteres. Estar naqueles ambientes - de bastidores, tensos e vívidos. O tipo de sonho juvenil que é justamente aquilo que motiva o jovem William Miller (Patrick Fugit) a rabiscar os primeiros artigos sobre rock, que enviaria para fanzines locais de San Diego. Aos 15 anos, William sempre foi vigiado de perto por sua mãe superprotetora Elaine (Frances McDormand) - uma viúva metade do tempo conservadora e na outra hippie -, que fica de cabelos em pé com a possibilidade de o caçula bater asas e enveredar por esse universo de cultura pop, de estrada, de turnês, de loucuragem. Só que o caso é que já era tarde. Quando a irmã do rapaz sai de casa para ser aeromoça (fugindo assim das amarras da mãe), ela lhe deixa um pequeno tesouro: sua coleção de discos de vinil, cheios de obras-primas que influenciariam a vida de William (na juventude interpretado por Michael Angarano) pra sempre.

 


O ano é 1973. Época de efervescência cultural, de contracultura e de veículos de imprensa importantes no meio - como no caso da famosa revista Rolling Stone. Aliás, é justamente um artigo sobre um show do Black Sabbath, escrito por William, a pedido de Lester Bangs (o sempre saudoso e ótimo Philip Seymour Hoffman) que chama a atenção dos editores do periódico. Que lhe contratam como freelancer para que ele acompanhe a turnê dos emergentes roqueiros do Stillwater - com quem o protagonista havia tido contato nos bastidores da apresentação da banda de Ozzy Osbourne. Foi a partir da amizade improvisada com a groupie Penny Lane (Kate Hudson) que William consegue entrar no backstage. "Não esqueçam que ele é o inimigo!" brada o vocalista do Stillwater diante da investida do adolescente, que se empenha em juntar material pra reportagem (como que condensando toda a imprensa cultural em um mesmo balaio). É o início de uma relação bonita e complexa não apenas com Penny, mas também com a banda, que tem em seu centro o sedutor guitarrista Russel Hammond (Billy Crudup).

Em linhas gerais esse pode ser considerado o filme de amadurecimento por excelência. Em meio as ligações insistentes da mãe - que tem dificuldade de conversar com o rapaz (resumindo seus recados telefônicos a um comovente, angustiado e engraçado "não use drogas") -, o ônibus da banda percorre uma série de cidades, enfrentando desafios variados, que vão de produtores mal intencionados, públicos nem sempre convidativos e, especialmente, as disputas internas de egos e vaidades, que vão deteriorando aos poucos as relações de todos. Olhando com olhos curiosos de quem vive várias primeiras vezes - beijos, sexo, bebida, show de rock, viagem longa -, William, um sujeito nada cool e com cara de parecer mais velho do que de fato é, empreenderá uma jornada ao infinito na tentativa de entrevistar Russell, que nunca parecerá realmente disponível (com suas oscilações de humor, que vão da instabilidade ao sentimentalismo na mesma sequência).

 

 

E como de praxe nos filmes de Cameron Crowe - e este tem claríssimas tintas autobiográficas -, temos na trilha sonora uma de suas fortalezas, com cada uma das músicas de artistas diversos, como, Velvet Underground, Rod Stewart, The Who, Cat Stevens, Led Zeppelin e Simon & Garfunkel, contribuindo para dar o tom da narrativa. Para explicar, ainda que por linhas menos óbvias, esse ou aquele momento. E é aí que chegamos àquele que é o momento mais comovente da produção, que é o instante em que, depois de um desentendimento homérico e uma noite sem fim de bebedeira e drogadição de Russell, os viajantes se unem no ônibus para cantar, no alvorecer, o clássico Tiny Dancer, de Elton John. Um momento de comunhão que ficaria famoso não apenas por sua beleza lúdica e polida, mas também porque os executivos não concordavam que essa parte, feita meio que no improviso, permanecesse no corte final. Ao cabo esse é uma sequência de união pela música, que reforça esse ideal mesmo nas adversidades. E que nos ajuda, como espectadores, a olhar para todos aqueles sujeitos - desajustados, fraturados, incertos, cheios de medos futuros e anseios presentes - como aquilo que de fato são: apenas humanos. "Você está em casa", diz Penny a William em certa altura. É como todos nós nos sentimos. Comovente.

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