segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Cinema - Conclave (Conclave)

De Edward Berger. Com Ralph Fiennes, Stanley Tucci, John Lithgow, Sergio Castellitto, Isabella Rossellini e Carlos Diehz. Drama / Suspense, Reino Unido / EUA, 2024, 120 minutos.

"Os homens perigosos são os que querem esse posto!"

É uma imagem de forte carga simbólica a da fumaça branca saindo da chaminé. Um evento que costuma mobilizar católicos no mundo todo e que, dada a sua raridade, também gera grande expectativa. A escolha de um Papa, afinal, não é algo tão simples. Aliás, é uma cerimônia ritualística, cercada de mistério e de suntuosidade, que pode levar dias para ser concluída. E que um filme recrie todos esses bastidores de uma forma tão envolvente, coesa e magnética é algo digno de nota. Afinal de contas, pensar em uma produção sobre a seleção de um novo pontífice poderia soar pouco empolgante. Mas, no microcosmo em que ocorre um conclave após a morte do atual Papa, parece importar menos a votação em si. E sim os rumos da coisa toda. As maquinações, os jogos de poder, as chantagens, as traições, as crises de fé. Afinal de contas, desejar um dos mais altos cargos do planeta, é algo que move ambições. Egos. Intenções. Gera sofrimentos. Dores. Incertezas.

Ao cabo, Conclave (Conclave) é um filme completo em todos os seus aspectos. A parte técnica, vamos combinar, não é preciso nem que sejamos grandes especialistas em temas como figurino, fotografia ou desenho de produção para que fiquemos assombrados. É tudo majestoso e sacro: das vestimentas e suas cores vivas - especialmente o vermelho sangue que marca o Vaticano -, aos cenários recriados de forma fidedigna. A ponto de achar que aquele ambiente, de fato, pudesse ser a Capela Sistina. E seu entorno. E se a ambientação ajuda, a história em si não fica atrás. O roteiro é bem costurado e monta o quebra-cabeças de uma forma que nos deixa conectados, com cada movimento desse jogo de xadrez alegórico (aliás, não é por acaso que um tabuleiro surge com certa importância ainda no começo da obra) sendo friamente calculado. É algo que a gente vai saboreando aos poucos.

 

 

Sim, é apenas um bando de homens idosos, servis à Cristo e a todos os dogmas da Igreja Católica, com objetivos distintos e falhas como todos os homens supostamente comuns? Sim, é. E é aí que está a magia. A gente tende a achar que essas pessoas são infalíveis por conta das suas crenças. Que tem um código moral inabalável. Que possuem uma ética inquestionável. Mas conforme os dias do conclave se sucedem, uma série de verdades que podem comprometer o futuro de todos ali começam a vir à tona. Um Papa pode definir os rumos de muitas questões em uma sociedade - políticas, culturais, estruturais. Religiosas, claro. Avanços pontuais podem se converter em retrocessos. O conservadorismo pode tomar o lugar do progressismo. Se o mundo está em evolução - para onde exatamente? -, com a Igreja Católica não é diferente. E é isso que parece embaralhar o pensamento do decano Thomas Lawrence, o sisudo cardeal vivido por Ralph Fiennes, que está indicado ao Oscar.

Andando pra lá e pra cá pelos corredores do Vaticano, ele parece estar em campanha permanente para que o liberal cardeal Aldo Bellini (Stanley Tucci, em ótima interpretação) seja o sucessor natural. Mas a ala conservadora também tem seus interesses - e é representada aqui pelo expansivo cardeal Goffredo Tedesco (Sergio Castellitto) e pelo antiquado nigeriano Joshua Adeyemi (Lucian Msamati) que, a despeito de ser negro, tem sérias restrições no que diz respeito aos direitos de outras minorias, especialmente os grupos LGBTQIA+. Correndo por fora há um arcebispo mexicano de nome Vincent Benitez (Carlos Diehz), um sujeito de poucas palavras, que trabalhou como missionário por anos no Afeganistão, e que parece ter uma história de vida bastante pesada. E o arcebispo Joseph Tremblay, (John Lithgow), que tem a particularidade de ter sido o último a se encontrar com o falecido antecessor. É um coletivo de homens complexo, de personalidade distinta - aliás, mais um mérito, que é a capacidade de dar uma "cara" para cada um daqueles senhores -, e que trabalham pelos seus interesses.


 

Para que um Papa seja eleito, são necessários dois terços dos votos dos cardeais. Dos 108 votantes são 72 votos. Um processo que poderia ser arrastado, se converte em uma experiência dinâmica, cheia de boas surpresas e que, dependendo o seu lado político (e vocês sabem do meu), pode te arrancar um sorrisinho na conclusão. Edward Berger já tinha sido bastante impressionante na recriação do clássico dos anos 30 Nada de Novo no Front (2022), que teve várias indicações ao Oscar - tendo ganho na categoria Filme em Língua Estrangeira. Aqui, ele pega o polêmico romance de Robert Harris, que não li e que foi escrito em 2016, e entrega tudo. Uma obra urgente, atual, cheia de grandes frases e com um microcosmo que, em tempos de retrocessos, de extrema direita e de novo governo Trump, parece funcionar como uma metáfora mais do que perfeita para os caminhos que tomam o mundo. É um filme que dá tempo ao tempo. Que não tem pressa em acontecer. Mas que causa um tremendo rebuliço. Todos nós estamos apaixonados por Ainda Estou Aqui (2024) - e com justiça. Torcendo muito. Mas vale dar atenção a esse projeto grandioso, indicado a oito Oscar, mas que ainda precisa encontrar seu público.

Nota: 9,5

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