terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Novidades em Streaming - A Besta (La Bête)

De: Bertrand Bonello. Com Léa Seydoux, George Mackay e Guslagie Malanda. Ficção científica / Drama / Romance, França, 2023, 146 minutos.

Existe uma frase meio de autoajuda que diz que se pensarmos (ou nos preocuparmos) demais com o futuro, acabamos por não viver o presente. E, em alguma medida, talvez essa sentença dialogue com a ficção científica existencialista A Besta (La Bête), que estreou na Mubi há algumas semanas. Na trama, passado, presente e futuro se entrelaçam para compor uma distopia onde as pessoas buscam, a cada dia, formas de refrear as suas emoções. Afinal, em um mundo tão individualista, hedonista e tecnológico, os sentimentos - quaisquer que sejam -, podem ser um problema. Amor? Raiva? Tristeza? Tesão? Melhor evitar e se tornar um ser domesticado, que se ajusta a esse ambiente insípido, cada vez mais distante da experiência humana. O ano é 2044 e é nesse contexto que Gabrielle (Léa Seydoux) aceita fazer parte de um experimento que lhe promete a purificação do DNA.

A ideia é conseguir um emprego em um cenário de dominação da inteligência artificial, com mais de 60% de população ociosa. Em uma grande banheira inundada por um líquido preto - algo viscoso, parecido com petróleo -, a protagonista recebe uma injeção no ouvido. A picada - feita, aliás, com uma agulha gigantesca -, lhe permitirá viajar para o passado. E para vidas anteriores. Na primeira, em 1910, a jovem é uma proeminente pianista, que frequenta festas chiques acompanhada de seu marido, um rico fabricante de bonecas. Na segunda, em 2014, ela é uma modelo e atriz participando de uma série de entrevistas de emprego. Em cada uma dessas eras, um ponto em comum: os encontros recorrentes com Louis Lewanski (George Mackay), que pode ser um charmoso aristocrata no período antigo ou um incel incapaz de se relacionar com mulheres, permanecendo virgem aos 30 anos.

 

 

Olhando assim tudo parece meio simples de entender, mas esse é aquele tipo de obra que exige do espectador a atenção aos detalhes. No centro da narrativa está uma espécie de exame da mente humana, envolta em medos onipresentes, às vezes escondidos, noutros mais evidentes. Parece que sempre temos receio de que algo muito ruim vai acontecer. Guerras, pandemias, enxurradas, destruição do meio ambiente, dominação tecnológica, violências de todos os tipos, de onde menos se espera. Se a gente deveria jogar luz para o passado para não repetir erros no futuro, talvez não estejamos fazendo a coisa da maneira correta. Simbolizada por um pombo invasor, a maldade pode ser inesperada ou premeditada, com resultados fatais independente da época (e não deixa de ser interessante notar como o sempre provocativo diretor Bertrand Bonello se utiliza de eventos reais para ilustrar seu ponto, seja uma enchente terrível ocorrida em 1910 ou um massacre perpetrado por um misógino desesperado em 2014).

Simbólica, excêntrica e alegórica, essa é uma experiência que pode ser meio complicada em um primeiro momento. Um quebra-cabeças fragmentado e cíclico que parece funcionar como um alerta para o estado das coisas. Se em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (2004), os protagonistas procuram um procedimento para deletar a pessoa amada de suas mentes, após a dor de um rompimento amoroso, aqui temos a a ampliação desse conceito - como se o excesso de medicamentos para os mais variados distúrbios psicológicos já não fosse mais do que suficiente. É preciso extirpar da alma essa consciência, que nos torna vivos. E que nos faz sentir. Eliminar traumas passados, herdados por séculos. Que infectam o inconsciente. Talvez um estoicismo forçado. Que nos torne apáticos, alheios. E bastante ajustados a um futuro em que seremos atendidos por robôs e por máquinas, enquanto checamos mecanicamente a temperatura de placas aparentemente inúteis. Estéreis. No mínimo pra nos fazer pensar.

Nota: 8,0


Nenhum comentário:

Postar um comentário