segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Picanha.doc - Frida

De: Carla Gutiérrez. Com Fernanda Echevarría del Rivero. Documentário / Animação / Drama, EUA, 2024, 87 minutos.

Frida Kahlo pode ser uma figura paradoxalmente pop nos dias de hoje - com suas feições severas, reforçadas pelas sobrancelhas grossas e sorriso ambíguo -, estampando réplicas de quadros, camisetas, toalhas, bolsas e outros adereços. Quase como um ícone da comunidade LGBTQIA+ e das feministas, sendo convertida ainda em tatuagens de jovens revolucionários de sofá, que ainda não foram cooptados pela extrema direita. Só que, muitas vezes, a gente esquece detalhes da movimentada (e trágica) vida dela - que não recebem tanta atenção. Uma delas envolve um desejo de juventude da artista ainda embrionária: na adolescência ela sonhava em ser médica. Carreira interrompida porque ela mesma se tornaria uma espécie de paciente eterna, após o famoso acidente de ônibus ocorrido em setembro de 1925, que lhe perfuraria as costas - e o abdômen e o útero -, causando ainda uma grave fratura pélvica, e uma série de fraturas nas costas ou nos pés.

Ter sobrevivido a esse episódio, foi quase como um milagre. Mas que impossibilitou Frida de alcançar seu intento. Parece irônico e estranho pensar que a artista plástica Frida Kahlo, talvez só tenha existido por causa desse trauma. Acoplada durante um ano em sua cama, lhe restou pintar - algo que ela já fazia, mais como uma distração do que como um ofício. Sua mãe teve papel fundamental nesse processo. E foi dali, também, que muitos dos seus famosos autorretratos foram concebidos. Como presentes para amigos, para amantes, para pessoas que, em seu íntimo, ela desejava que não lhe esquecessem. Tudo isso é parte do poético e fascinante documentário Frida, que está disponível na Amazon Prime. Dirigida por Carla Gutiérrez, a produção toma por base uma série de diários e cartas ilustradas da própria pintora - narrados por Fernanda Echevarría del Rivero -, além de uma seleção de fotografias, filmagens e transcrições de entrevistas com pessoas próximas, organizadas pelo biógrafo Hayden Herrera, cujo livro de 1983 foi base para o filme de 2002.


 

Ok, a gente esquece que Frida queria ser médica, assim como a memória fica meio borrada, na hora de recordar como se deu a construção de sua fama - o que ocorreria após a sua morte. Tanto que, inicialmente, ela se tornaria (apenas) a destemida companheira do muralista Diego Rivera, à quem apresentou alguns de seus quadros, sendo também influenciada por ele. Em comum entre os dois, o apreço à revolução e à identidade mexicana - ambos integraram o Partido Comunista local. Com os murais de Rivera representando, em diversas vezes, as lutas de trabalhadores, de indígenas e de outras figuras em vulnerabilidade. Acompanhando o marido ao Estados Unidos para uma série de trabalhos, Frida era apenas a mulher por trás do homem aclamado. Acompanhando-o em Nova York, pelo Harlem ou por Chinatown, em experiências vívidas e palpáveis de união entre arte, cultura e revolução, que forneciam um contraste para o vazio existencial dos ricaços que contratavam Rivera, com suas vidas fúteis e de aparências, como no caso da família Ford (do industriário).

Todo esse conjunto é apresentado não apenas como uma mera transcrição, mas como uma experiência vívida e kitsch, de cores vibrantes e modernas em contraste com o preto e branco das cenas de arquivo. Como uma espécie de imersão, o futuro ícone da artes plásticas é apresentado entre altos e baixos, dores e alegrias, com suas pinturas enigmáticas, quase surrealistas funcionando como ponto de união entre acontecimentos (e aqui merece ser citado o lindo trabalho de "animação" de Sofía Inés Cázares e Renata Galindo, que adicionam movimento aos quadros de Frida, o que resulta em folhas que se mexem, animais em movimento, olhos que se reviram, sangue que verte e outras representações engenhosas, fluídas e poderosas, que reforçam o impacto daquilo que é dito). Não que fosse necessário qualquer complemento, dada a potência das pinturas de Frida em si. Mas o recurso estético fornece ao espectador um mergulho visual pelo inconsciente da protagonista. O resultado é um projeto inebriante, que nos conduz da infância curiosa à morte prematura da pintora, de forma ágil, dramática e comovente.


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