segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Cinema - Anora

De: Sean Baker. Com Mikey Madison, Mark Eydelshtein e Yura Borisov. Drama / Comédia, EUA, 2024, 139 minutos.

[ATENÇÃO: TEXTO COM ALGUNS SPOILERS]

Não vou negar, eu gostei de Anora - até por ser um filme que traz importantes reflexões sobre como a elite burguesa utiliza seu poder basicamente econômico, para manipular pessoas vulneráveis ou marginalizadas. É algo dolorido e que impacta. Mas devo confessar que essa também é uma experiência exaustiva. Que desgasta o espectador. A gente chega cansado ao final dos 140 minutos - e não vou ignorar que, sim, isso pode ser proposital. Uma semana na vida de uma stripper pode ser algo absurdamente intenso e turbulento. Sexy, mas amedrontador. É preciso mostrar força o tempo todo, mas como esquecer que as dançarinas (ou as acompanhantes ou qualquer pessoa que atua nesse mercado) também são seres humanos? Que sonham, têm desejos, projetam futuros que vão para além da dança em colos que, muito provavelmente, elas nem gostariam de estar?

Vamos combinar que Sean Baker é mestre em humanizar essas figuras que trafegam nas margens - sejam as mulheres trans de Tangerine (2015) ou as crianças pobres que sonham em visitar à Disney de Projeto Florida (2017). Até mesmo no subestimado Red Rocket (2021), o sonho americano parece soterrado em preconceitos generalizados e utopias nacionalistas fantasiosas. Então quando Anora, a 'Ani' (a maravilhosa Mikey Madison) vê seu conto de fadas pessoal se esfacelar, entrando em uma espécie de surto catártico contínuo (marcado por gritos infinitos de todos os tipos contra seus agressores), dá mais ou menos pra entender a reação dela. Por mais ingênua que ela tenha parecido ser, ao acreditar no amor supostamente real do playboyzinho hedonista Ivan (ou Vânia), encarnado por Mark Eydelshtein (uma espécie de Timothée Chalamet de baixo orçamento) como uma figura claramente imatura e bem nascida, interessada apenas em bebedeiras, festas, putaria e jogos de videogame.

 

 

Vânia é filho de um magnata russo e se aproxima de Ani na boate em que ela trabalha, justamente por ela ser a única capaz de falar a língua do rapaz. O contrato inicial para uma dança particular, logo se converte em um valor mais alto pago para algo a mais. A química é imediata, o que faz o jovem fazer uma ousada proposta: ela ser uma namorada de aluguel por uma semana, pelo valor de U$S 15 mil. Para Ani, a possibilidade de ganhar um bom (e fácil) dinheiro de um riquinho abobado parece uma boa pedida. Especialmente pelo glamour embutido, com a bela mansão da família, as melhores festas e o dinheiro que parece jorrar infinitamente. Então, quando uma ida meio inesperada à Las Vegas (tudo nessa mesma semana sem limites, filmada de forma vertiginosa e com uma edição frenética), resulta em um desajeitado pedido de casamento, a protagonista aceita. Parece uma vida ideal a ser conquistada, que lhe retiraria da rotina da boate, com alguma chance de melhorar a própria condição.

Só que o que Ani não percebe logo é que pra Vânia esse também parece ser um bom negócio. Se tornando americano por conta do matrimônio, ele poderia simplesmente escapar de suas obrigações familiares - seu pai, aparentemente, estabeleceu um prazo para que ele retorne à Rússia para começar a trabalhar nos negócios da família. Ani se demite da boate, e vai morar com Vânia. Por um ou dois dias - ou ao menos até o momento em que um tabloide publica a notícia, que chega à Moscou. Com tudo desandando em uma enxurrada de acontecimentos em cascata que vai de capangas perseguindo a dupla e praticamente sequestrando Ani, aos pais do jovem exigindo à anulação do casamento - especialmente pela suposta vergonha causada pelo menino, em casar com uma puta (como eles, equivocadamente, chamam Ani). Em geral, essa é uma obra caótica, meio intragável, mas que tem um propósito de existir, afinal, no capitalismo tardio, não dá pra confiar em bilionário que só pensa no próprio umbigo. É uma mensagem simples, mas que talvez o choro suplicante de Ani ao final - ela só queria, talvez, ser amada por quem ela é -, evidencie. Forte, humano e engenhoso. Ainda que na base do gritedo.

Nota: 8,0


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