quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Novidades em Streaming - Nada de Novo no Front (Im Westen Nichts Neues)

De: Edward Berger. Com Felix Kammerer, Daniel Brühl, Albrecht Schuch e Aaron Hilmer. Drama / Guerra, Alemanha / EUA, 2022, 148 minutos.

Quem der play em Nada de Novo no Front (Im Westen Nichts Neues), enviado da Alemanha ao Oscar e em exibição na Netflix, esperando uma história de heroísmo e patriotismo em tempos de guerra, certamente vai se decepcionar. Aliás, talvez seja algo meio óbvio imaginar que não há nada de glorioso em batalhas do tipo. E muito menos na Primeira Guerra Mundial, talvez um dos mais inúteis e inexplicáveis conflitos bélicos da história (e o número de mortos dá conta da tragédia sem precedentes que foi a guerra, que durou de 1914 a 1918). Aqui não há mocinhos ou bandidos, não há bem contra o mal. Bom, talvez a exceção sejam os líderes de nações belicistas que, a distância, assistem seus soldados caminhando em direção a boca escancarada da morte enquanto, encastelados, postulam sobre possíveis cessar-fogo de mentirinha, ou armistícios de faz de conta. Vilões reais. O escritor Erich Maria Ramarque, autor do livro em que a obra é baseada, já dizia que o "nacionalismo mata apenas para a glória do ego, oferecendo covas rasas em territórios estrangeiros ao invés de retornos heroicos ao lar".

E, vamos combinar que se a versão de 1930 do diretor Lewis Milestone já era bastante impressionante - cheia de inovações técnicas para à época, o que levaria a adaptação ao cinema a levar o Oscar de Melhor Filme - o que Edward Berger faz aqui é proporcionar ao espectador um mergulho no que de mais tenebroso pode haver em uma guerra. Em meio a trincheiras acinzentadas, repletas de ferro retorcido, de arame farpado, de madeira podre, de entulho, de água suja, de lama, de sangue e de morte, os alemães se empenham em uma campanha da Frente Ocidental que visa a avançar em direção à França. Tiros, explosões, ferimentos. Gritos por toda a parte. A sensação, em alguns momentos, beira a da completa desorientação no campo de batalha. O caos está por todos lados. Um sentimento que é também vivido por aqueles soldados que lutam, entre assustados e encorajados, como é o caso de Paul Bäumer (o ótimo Felix Kammerer), um dos protagonistas da história.



E, nesse sentido, são muitas as sequências inesquecíveis, que parecem obter uma poética meio difusa que vai da pilha de corpos milimetricamente empilhados em uma tomada aérea, chegando no pequeno inseto que, isolado em um recipiente de vidro, se vê paradoxalmente livre dos efeitos do conflito (uma pequena mudança aliás, em relação a cena clássica da borboleta no filme de Milestone). Assim como ocorreu em 1917 (2019), de Sam Mendes, aqui o mérito vai para além da história, com uma atenção aos detalhes que é quase comovente. Basta observar o contraste, por exemplo, entre os rostos rosados e saudáveis dos estudantes que, ainda no começo são atraídos para a guerra por políticos e professores na promessa da glória romântica da batalha, em contraste com seus rostos aterrorizados (e enlameados) quando chegam efetivamente ao front (um trabalho magnífico de maquiagem). Ou mesmo a trilha sonora de notas caóticas e desconexas que parecem evidenciar e reforçar a anarquia do conflito, surgindo aqui e ali de forma meio inesperada, torta. E o que dizer do desenho de produção impecável que faz com que se vivencie vivamente o horror dessa experiência do sofá da sala. Ou mesmo a fotografia melancolicamente acinzentada, que nos faz pensar o tempo todo na tragédia sombria que leva a inocência de milhares de jovens embora em minutos.

É dessa forma que Berger parece honrar o material original - e eu não li o livro - fortalecendo o discurso antibélico ao não se preocupar exatamente com as motivações por trás do conflito e sim com as ambições patéticas de nações megalômanas. Há uma cena ainda no começo da obra em que, em meio ao discurso que convoca uma centena de jovens para o front, um dos líderes alemães afirma, orgulhoso: "o futuro está nas mãos da melhor geração. Pelo kaiser, por Deus, pela Pátria". Pois é, talvez você já tinha visto discurso parecido por aí e, não, não é mera coincidência. A juventude que gestaria o nazismo está expressa naqueles olhares perdidos que, mais adiante, se converterão em almas perdidas. Em roupas reaproveitadas. Em estatísticas doloridas. Enquanto veste o uniforme camuflado, um dos meninos - sim, meninos - diz para o outro "vai pegar todas as meninas agora". Esse é o deslumbramento provocado pelo ímpeto de segurar em armas, de lutar por não se sabe o quê. E que, nos dias de hoje, ainda parece mover milhares de jovens, especialmente os patrióticos que, cooptados pela extremismo de direita (e religioso), acreditam na arma como um artefato tão "imaculado quanto as coxas da Virgem Maria". É meio maluco que se tenha que dizer o óbvio, em pleno 2022, mas guerra é algo macabro, tenebroso, vil, angustiante. Com muitas perdas, dores, sofrimentos. Mas, enfim, às vezes o óbvio precisa ser dito. E Berger o faz com maestria. 

Nota: 10


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