De: Mati Diop. Documentário, França / Senegal, 2024, 68 minutos.
Vamos combinar que relatos de roubos de obras de arte em períodos coloniais são bastante conhecidos. Efeito colateral da violência da violência praticada especialmente por países europeus, os saques funcionam não apenas como uma pilhagem econômica - já que essas peças costumam ter grande valor material -, mas também cultural, histórica e de tradições. Um patrimônio imaterial que vai embora junto com tropas militares, contribuindo para a supressão de todo um legado de costumes e de hábitos de um povo. Um apagamento. Um desenraizamento. Um desses casos que ficou mais ou menos famoso, recentemente, foi o da devolução de 26 objetos ao tesouro real do Benin, País africano que foi colonizado pela França na segunda metade do século XIX. E um pouco dessa jornada é narrada em Dahomey, documentário disponível na Mubi.
Dirigida por Mati Diop (do lindo Atlantique, 2019) e integrante da short list em sua categoria no Oscar 2025 - não chegou a ser indicado -, a produção foge da solução fácil de ouvir especialistas sobre o tema - historiadores, arqueólogos, antropólogos e outros -, que poderiam fornecer mais elementos para o espectador, para fornecer ao espectador uma experiência sensorial, poética e existencialista. Como se fosse um espectro vindo do além - o que é reforçado pela narração em off com forte reverberação (que não faria feio em um filme de horror, até porque, em alguma medida, dado esse passado sangrento, é) -, a principal relíquia enviada de volta ao Benin, uma imagem do Rei Guezô, conduz o público por entre caixotes, aviões e cuidados profissionais que dêem condição para que cada um desses tesouros chegue em segurança ao seu País de origem.
"Isolado da Terra em que nasci, como se estivesse morto. Há milhares de nós por aí, com suas cicatrizes, espólios de um enorme saque. Hoje é a mim que escolheram como a sua mais legítima vítima. [...] Minha cabeça ainda é atormentada pelo ruídos das correntes. Tenho na boca o gosto residual do oceano", divaga o nosso protagonista simbólico, nos fazendo pensar sobre a natureza exploratória da colonização, com todas as marcas, dores e sofrimento causados. Supostamente nobre, a formalização da entrega das obras recebe um novo verniz na segunda metade do curto projeto - que mal ultrapassa os 60 minutos -, quando uma espécie de audiência pública é realizada para discutir o futuro a partir do fato em si. O que em um período de crise imigratória, de xenofobia, de preconceitos e de individualismo atroz amplia as possibilidade de reflexão a respeito das intenções por trás do acontecimento.
"Histórico!" estampa a capa de um jornal da capital beninense, enquanto a população realiza danças e outros rituais típicos, com roupas e adereços coloridos, que contrastam com o visual insípido dos corredores dos museus, que isolam estátuas, esculturas e outros do mundo exterior. "Esse é um ato político, não tem nada de histórico", observa um dos participantes da reunião, que é retrucado por outro, que afirma que todo aquela conversaiada é só pra limpar a imagem de Emmanuel Macron, que anda arranhada. Questões diversas sobre o peso simbólico dessa reparação, a respeito do papel da arte (e da elitização desta, muitas vezes destinada à museus elegantes), sobre o direito à autodeterminação de um povo, a ancestralidade e outros, são discutidos em um diálogo tão rico quanto naturalista, jogando luz a diversos temas, com inúmeros ângulos, sentidos e significados. Que um filme tão pequeno faça tudo isso, é algo notável.
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