De: Debra Granik. Com Jennifer Lawrence, John Hawkes e Dale Dickey. Drama / Suspense, EUA, 2010, 100 minutos.
O famoso frio de renguear cusco, como dizemos aqui no Sul do mundo, é uma sensação absolutamente palpável no melancólico Inverno da Alma (Winter's Bone), filme dirigido por Debra Granik, que completa quinze anos de lançamento em 2025. Em alguma medida, essa é uma obra simples, que versa sobre amadurecimento mas em um contexto bem diferente daquele que assistimos em produções indie sobre adolescentes classe média sofrendo bullying ou se esforçando para um primeiro beijo (que, dada a timidez galopante e a falta de qualquer traquejo social eles sequer merecem). Aqui, o cenário é a zona rural do Missouri, onde a jovem de 17 anos Ree Dolly (Jennifer Lawrence, em seu primeiro papel de destaque), se esforça para cuidar dos seus dois irmãos pequenos e da mãe que sofre com demência, em um cenário de precariedade e de todo o tipo de ausência (inclusive de alimento).
Ajudada aqui e ali por uma afável vizinha, que cria animais e parece ter um pouco mais de recursos - mesmo em um espaço isolado e inóspito (sim, a sensação de frio parece saltar da tela, seja pela neve ou pela floresta discreta e cinza) -, Ree recebe uma notícia que piora tudo, quando um delegado de polícia bate a sua porta. Ou ela localiza o pai, um traficante de metanfetamina (seu nome é Jessup) que descumpriu a liberdade condicional e está foragido, ou ela e a sua família precisarão entregar a casa - o único bem que resta e que está alienado à justiça. Há uma data de limite para isso e que envolve o comparecimento do pai à corte local. Sendo seu paradeiro desconhecido, Ree empreenderá uma verdadeira via crúcis em casas da vizinhança, percorrendo estradas e terrenos e encontrando, aqui e ali, figuras que possam saber qualquer notícia sobre o genitor. O relógio está correndo e é contra ele que Ree está brigando.
No meio do caminho, ela estabelecerá contato com Teardrop (o ótimo John Hawkes), um viciado em metanfetamina, que talvez possa saber algo. Além dele, Ree confronta o chefão do tráfico local, um certo Thump Milton (Ronnie Hall) e não é preciso dizer que toda essa movimentação chamará a atenção - também da bandidagem. Como não poderia deixar de ser, a violência parece rondar esse espectro provinciano que parece parado no tempo. Ree avança, aos trancos e barrancos, cruzando cercas e lugares, mas sem ter a certeza de que faz qualquer avanço. Aliás, como espectadores, a impressão de que temos em certa altura é a de fazermos voltas no mesmo lugar, junto da protagonista. O pai, sequer sabemos se está vivo. Talvez nem esteja. E algumas pessoas, mais adiante, talvez desejem ver Ree morta. Especialmente por chafurdar onde não devia.
Indicado à Melhor Filme e à Roteiro Adaptado no Oscar 2011, a produção também levaria Jennifer Lawrence e John Hawkes à nominação, sendo lembrados pela Academia nas categorias Atriz e Ator Coadjuvante. Aliás, uma obra pequena em tamanho e que depende muito dos diálogos (bem como dos silêncios e olhares), tem como destaque justamente as atuações - críveis e potentes. Lawrence, por sinal, é convincente como a jovem interiorana de perfil embrutecido e expressão severa, que encontra pouco espaço pra respiro em meio ao jogo de mentiras e às ameaças que lhe rondam. É quase raro vê-la sorrir, o que só ocorre perto do esperançoso final. Já Hawkes converte Teardrop em uma figura complexa e ambígua, que faz com que desconfiemos e nos afeiçoemos de suas atitudes em igual medida. Tecnicamente bem executada, essa segue sendo uma experiência sombria e amarga, que apresenta um outro lado do sonho americano. Que, na realidade, mais parece um pesadelo.
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