quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Cinema - Meu Bolo Favorito (Keyk-e Mahbub-e Man)

De: Behtash Sanaeeha e Maryam Moghadam. Com Lili Farhadpour e Esmaeel Mehrabi. Drama / Romance, Irã / Suécia / França / Alemanha, 2024, 97 minutos.

Se realizado em qualquer outro País do mundo - especialmente aqueles com democracias mais sólidas -, um filme como Meu Bolo Favorito (Keyk-e Mahbub-e Man) já seria relevante, dado o pertinente debate sobre solidão na terceira idade, medo da morte ou invisibilidade dos idosos (um tema nem sempre abordado adequadamente, no cinema). Mas essa é uma obra iraniana e, em uma nação com uma política tão restritiva e cheia de códigos de conduta questionáveis (pra dizer o mínimo), tudo se torna ainda mais complexo, comovente e, à sua maneira, subversivo. No Irã, por exemplo, existe um aparato do Estado, chamado de Polícia da Moralidade, uma bizarrice instituída em 2005 em decorrência da Revolução Islâmica, e que tem como objetivo central prender mulheres que não estejam usando o hijab, aquele tecido que cobre a cabeça e os cabelos, de forma adequada.

Sim, acredite, por lá existe uma patrulha que circula em uma espécie de van por locais públicos, com a intenção de oprimir mulheres que estejam com o cabelo à mostra. Em uma das cenas da produção dirigida com delicadeza e senso de humor por Behtash Sanaeeha e Maryam Moghadam a protagonista Mahin (Lili Farhadpour) confronta esses agentes, após uma abordagem a um grupo de jovens em plena luz do dia. É um instante bonito que evidencia a força de uma mulher já idosa que, após anos de brutalidades e violências diversas, parece cansada de tanta submissão. "Você as mataria por uns fios de cabelos?", questiona a um raivoso policial que esbofeteia e empurra as adolescentes. A jovem a agradece, mas o tom resignado de Mahin entrega. Talvez ela só quisesse uma vida tranquila e feliz perto do ocaso. De preferência com alguém para amar e compartilhar esses anos finais.

 

 

Sim, tudo pode soar bastante melancólico nesse conjunto, mas a obra, vencedora do prêmio da Federação dos Críticos do Festival de Berlim, jamais pende para a lamentação excessiva. Mahin é uma viúva já há 30 anos, e que se sente bastante só depois que seus dois filhos foram morar na Europa. A casa com um belo jardim - herança deixada pelo marido militar -, parece bastante grande e vazia. Os encontros com as amigas, antes mensais, agora rarearam: ocorrem uma vez por ano. Com os assuntos variando entre crises de hipertensão, joelhos enfraquecidos e tumores que podem ser fatais - além de traumas, dores e outros. Só que nessa mesma conversa, uma das amigas provoca: talvez fosse o caso de a protagonista arranjar um novo companheiro. Ela, uma senhora de 70 anos. Em um País moralista, que vigia, para além das vestes, as confraternizações, a música ouvida e até os casais de namorados. Sim, ninguém pode andar de mãos dadas ou expressar qualquer amor em público. A van tá sempre circulando, mais ou menos e, guardadas as proporções, como um extremista de direita vigilante do nosso evangelistão.

Só que, ainda assim, Mahin resolve dar os pulos dela. Determinada a encontrar um novo companheiro, vai a um restaurante frequentado por veteranos de conflitos armados. E lá descobre a existência de um carismático taxista de olhos tristes - seu nome é Faramarz (Esmaeel Mahrabi) -, que também parece sofrer de uma severa solidão. A conversa fluirá no seu próprio tempo - econômica, jamais invasiva. A forma será educada, convidativa, como poucas vezes se vê nos dias de hoje, sempre tão apressados, tão urgentes. Toda a maldade que percorre as ruas dessa Teerã tão conservadora quanto patriarcal ficará do lado de fora, quando eles adentrarem a casa de Mahin. Jardinagem, música, dança, uma foto carinhosa, um pouco de luz - metafórica ou não - em um cenário tão sombrio. Uma conversa regada à vinho e boa gastronomia. Uma parceria que parecerá eterna dali pra frente. Ou eterna enquanto dure. Já que nesse Irã tão pesado, tão difícil, capaz de perseguir politicamente os próprios realizadores do filme, a morte parece sempre rondar. Dá um gosto amargo. E faz pensar.

Nota: 8,5


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