sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Novidades em Streaming - Culpa e Desejo (L'été Dernier)

De: Catherine Breillat. Com  Léa Drucker, Samuel Kircher, Olivier Rabourdin e Clotilde Courau. Drama / Suspense, Noruega / França, 2023, 104 minutos.

Devo confessar a vocês que sou fascinado por filmes que exploram de forma franca os temas considerados tabu na sociedade. Obras que ousam e que te colocam em uma situação de desconforto - mas que também ajudam a compreender a complexidade da experiência humana. É aquilo que já comentei muitas vezes nas resenhas: ninguém é bonzinho o tempo todo. Ou odioso - e menos que você seja alguma tipo de sociopata. E é por isso que produções como a excelente Culpa e Desejo (L'été Dernier) ficam reverberando após os créditos subirem. Seja pelo incômodo. Ou pela fuga do lugar comum. Aqui, temos o drama romântico estilo Hollywood dos anos 90, em que uma mulher mais velha, na faixa dos quarenta e alguma coisa, vive uma paixão intensa com o seu enteado - um jovem problemático, com passagens pela polícia, e uma clara dificuldade de estabelecer qualquer tipo de conexão. Situação talvez explicada pelo abandonado do pai (o atual marido de sua madrasta) no passado.

Só que, diferentemente do que poderia acontecer nos filmes do gênero e que eram bastante típicos de três décadas atrás, nos Estados Unidos - um período de conservadorismo ainda mais atroz, frente à liberdade feminina -, aqui há uma fuga da óbvia demonização da mulher adulta e (provável) abusadora sexual, o que seria uma conveniência certeira no sentido de agradar o espectador. É algo meio parecido com aquilo que assistimos no ótimo Segredos de Um Escândalo (2023), que segue sendo um dos grandes do ano. Podem haver mais camadas quando o assunto é o sexo? Sim, certamente. Aliás, esse é o tipo de controvérsia que, em alguma medida, sempre acompanhou a carreira da diretora Catherine Breillet, dona de uma filmografia provocativa em que assuntos inquietantes, ilícitos e imorais surgem com uma naturalidade surpreendente.


 

E como se não bastasse tudo isso, a trama ainda conta com um paradoxo curioso, já que Anne, a protagonista vivida por Léa Drucker, é uma advogada de família, que parece justamente empenhada na defesa de jovens que sofreram abuso (o que já fica claro já na impactante primeira sequência). E quando ela retorna para casa após mais um dia de trabalho, o seu marido Pierre (Olivier Rabourdin) - um homem de negócios em constantes viagens -, lhe comunica que, após uma confusão que resultou na agressão a um professor, seu filho de um antigo casamento, o jovem Théo (Samuel Kircher), está retornando para morar com eles. A casa é grande, espaçosa, eles fazem parte da pequena burguesia bem sucedida - e muitas vezes hipócrita -, e não haverá maiores problemas, certo? Bom, em tese. Inicialmente irascível e de difícil trato, Théo vai aos poucos se encantando com o estilo meio maternal de Anne. O que, mais adiante, avançará para conversas muito francas - sobre sexo, relacionamentos, insatisfações, diferenças geracionais -, que terminarão, inevitavelmente, na cama.

E não é que Anne esteja necessariamente insatisfeita com Pierre, que parece ser um sujeito paciencioso, preocupado com as finanças, as rotinas da casa e os jantares burocráticos com seus pares - sempre luxuosos, com boa gastronomia, vinhos e conversas intelectualmente pedantes. Só que a protagonista, além de ter seus segredos do passado - que vão sendo despejados em pequenas pílulas -, enxerga em Théo um certo frescor que lhe retira da monotonia dos dias. E dos cuidados com as filhas pequenas ou das visitas óbvias à manicure, onde trabalha sua irmã e única amiga Mina (Clotilde Courau). O tempo está passando e Théo - a despeito do corpo esguio que faz com que nunca percamos de vista que, sim, ele é apenas uma criança de 17 anos - é a pura libido desajeitada do final da adolescência, com desejos borbulhantes e difíceis de serem controlados. 

 

 

É uma coisa meio instintiva, animalesca - o que Breillet evidencia com closes efervescentes de beijos, toques e outros, com Anne sempre sendo apresentada como uma predadora em um papel de poder, mais ainda quando a coisa avança para o campo da (ir)responsabilidade afetiva ou as conveniências da vida adulta. Nada ali parece estar certo. Mas acontece. E muito. Normalmente debaixo dos panos. Especialmente no ambiente doméstico - e supostamente ilibado - das famílias, com seus jardins muitos verdes e cerquinhas brancas cândidas. Ainda assim, o que a diretora parece nos fazer querer perceber é que as motivações nem sempre são óbvias. Está na sutileza e na ambiguidade das conversas, nas reflexões sobre eventos do passado, nas preocupações futuras. Julgar Anne por um ato abominável em seu cenário cômodo de privilégios, seria o caminho fácil. Mas ao burlar esses limites, a diretora também nos testa. Tornando esta uma das grandes experiências cinematográficas da temporada.

Nota: 8,5

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