sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Cinema - Pequenas Cartas Obscenas (Little Wicked Letters)

De: Thea Sharrock. Com Olivia Colman, Jessie Buckley, Anjana Vasan e Timothy Spall. Comédia, EUA / França / Reino Unido, 2023, 100 minutos.

Uau, as mulheres falam palavrão! Fui com boa vontade assistir a esse Pequenas Cartas Obscenas (Little Wicked Letters) - até mesmo por que os fiapos de história sempre podem render boas tramas. Especialmente no interior do Reino Unido - como ficou evidenciado, por exemplo, no recente Os Banshees de Inisherin (2022). Só que vamos combinar que sempre será um problema meio sério uma comédia incapaz de fazer rir. Com tudo ficando ainda pior ao percebermos que tá rolando uma forçação de barra - e, na real, é meio vergonha alheia a gente ver piadas sendo despejadas, enquanto ficamos indiferentes a tudo. Não tem graça filmar, repetidamente, o rosto da atriz Anjana Vasan em close, só para evidenciar seus olhos grandes e esbulgalhados. Jessie Buckley mostrando a bunda meio que, do nada, pra polícia? Nossa, quanta subversão (bocejo). E o que dizer da cena boba em que uma das coadjuvantes faz uma pequena "ode" ao ovo?

É meio bobo, como se tudo fosse uma esquete meio esticada e um tanto exagerada em que absolutamente nada parece muito verossímil naquele cenário. Claro, a ideia de discutir feminismo, movimento sufragista e papel da mulher na sociedade sempre será bem-vinda. Mas o antagonismo frente ao patriarcado visto aqui é apenas oco, numa história que se estende e que parece dar apenas voltas em torno de si. Bom, a trama nos joga para o anos de 1920, em Littlehampton, na Inglaterra, onde um pequeno escândalo, aos poucos tomará proporções épicas. Tudo começa quando a solteirona Edith Swan (Olivia Colman, que se esforça em entregar o melhor) passa a receber uma série de cartas não identificadas, cheias de insultos e palavrões. Dada a relação conturbada de Edith - uma religiosa devota e conservadora -, com a sua vizinha de porta, a liberal e desbocada Rose Gooding (Buckley), não demora para que a culpa recaia sobre a segunda.


 

Rose é presa após o testemunho de Edith - tudo com a ajuda da policial Gladys (Vasan) que, na realidade, tem dúvidas sobre a autoria do crime (a caligrafia das cartas parece não bater com a da autora). Com tudo piorando depois de vir à tona a história de que as duas vizinhas teriam tido uma amizade, no passado, interrompida após uma confusão em uma festa de família. Só que o caso é que Rose é muito carismática, daquele estilo desinibido, que fala alto, ri e se integra, e acaba tendo a fiança paga por uma dupla de amigas da própria Edith - o que lhe permite aguardar o julgamento do caso em liberdade. E é justamente no momento em que ela está solta, que há uma explosão no envio de cartas, com praticamente todos os moradores do povoado recebendo mensagens com insultos. O que atrairá a atenção da imprensa nacional - e devo confessar que a narração em off de uma emissora de rádio, fazendo o relato dos eventos, é uma das partes mais engraçadas da produção.

Só que ainda assim é pouco. E lá pelas tantas perde a graça o lance de verbalizar os xingamentos - seja na delegacia de polícia, no tribunal, ou mesmo na rua. Ainda mais porque são frases quase sem sentido - coisas como "você é um saco murcho que quer ser fodido pela narina", com derivações para "vadia fedorenta", "puta triste e catinguenta e "rabuda carcomida". Ok, em uma sociedade em que as mulheres são criadas para o decoro excessivo, sendo imediatamente julgadas ao não se comportarem de acordo com o que rege a cartilha do patriarcado, a trama tem seus pontos. Só que ainda assim parece tudo meio sem sutileza. Rose, uma mãe solo que vive com um homem negro, parece uma personagem meio irreal no entre guerras (e, não, não há a necessidade de ser realista, mas apenas crível). Ainda mais se pensarmos que, nos dias de hoje, a luta das mulheres pela manutenção de direitos segue a todo vapor, em um cenário de avanço da extrema direita, de extremismo político e de misoginia. É certo que as coisas não eram fáceis. E não é um punhado de palavrões a revelia que resolve.

Nota: 4,0


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