De: Goran Stolevski. Com Anamaria Marinca, Alina Serban e Mia Mustafa. Drama, Macedônia / Croácia / Polônia / Sérvia / Suécia, 2024, 107 minutos.
Talvez hoje em dia, à exceção dos reacionários extremistas de direita, a grande maioria das pessoas sabe que as configurações de família se alteraram drasticamente nas últimas décadas. Aquela cena de pai, mãe e filho - como desejam as famílias de bem conservadoras -, parece a cada dia mais distante em um cenário de pais ausentes, divórcios ocorridos, preconceitos generalizados e a busca incessante por uma rede de apoio pra chamar de sua. Sim, a divertida série Modern Family pode ter debochado desses novos conceitos mas, em tempos em que as pessoas tem mais liberdade pra exercitar a sua sexualidade (e seus desejos), se tornam mais comuns esses novos arranjos. Significa que eles serão ideais? Não, nem perto disso. Dificuldades existirão. E maiores ainda elas serão em países com políticas mais retrógradas, ou ideais ultrapassados. E conjugar todos esses elementos é o que o diretor Goran Stolevski faz com maestria, no ótimo Housekeeping for Begginers (Domakinstvo za Pocetnici), disponível na plataforma da Apple TV.
Nas aparências, essa parece ser apenas uma trama sobre uma mulher que tem de lidar não apenas com a dor da perda, mas também cos filhos de sua ex, quando esta é diagnosticada com um câncer terminal. Só que Dita (Anamaria Marinca) é uma assistente social - alguém que parece ter um perfil existencial menos turbulento do que aquele em que ela encontra no entorno de Suada (Alina Serban), sua parceira que padece da severa doença. Suada, como não poderia deixar de ser, está mal humorada com as últimas notícias a respeito de sua saúde - com a raiva sendo reforçada pelo péssimo atendimento recebido não apenas por ela, mas por outras minorias em um hospital público em seu País Natal, a Macedônia. "E se ela não fosse uma cigana?", esbraveja contra o médico de plantão, em uma sequência ainda nos primeiros minutos, que evidencia a xenofobia e o racismo estrutural, que se espalham pela narrativa.
Em casa, as coisas não estão melhores, especialmente pelo fato de a filha mais velha de Suada, Vanesa (Mia Mustafa), converter o local em uma espécie de comuna improvisada, com vários outros jovens de etnias, gêneros e preferências sexuais distintas se acotovelando, enquanto tentam encontrar apoio uns nos outros. "Viramos a ONU por sua culpa", brinca alguém em certa altura. As discussões políticas e sociais envolvem as diferenças culturais e geográficas entre todos ali. Tudo sendo observado atentamente por Mia (Dzada Selim), a irmãzinha pequena de Vanesa, que é acarinhada pelo invasivo Ali (Samson Selim), parceiro de Toni (Vladimir Tintor), um homem gay de meia idade, que parece guardar algum tipo de parentesco com Dita. Ao mesmo tempo em que todos ali, naquele ambiente claustrofóbico e apertado, brigam juntos, também se amam juntos. Porque, externamente, num mundo tão cheio de ódio e de intolerância contra qualquer um que fuja do padrão, as coisas podem ser piores.
Por isso que quando Suada morre, Dita recebe as condolências de uma ex-colega de trabalho em uma frase que só pode ser explicada pelo medo de ser quem se é de verdade, em uma sociedade fraturada: "soube que sua prima morreu, meus pêsames", comenta a colega. "O quão próxima você era dela?". Os olhos marejados de Dita são o doloroso sinal entregue ao público de que não apenas a morte da ex está doendo. Mas também o fato de ter de esconder isso das outras pessoas. Quando ela assume as filhas de Suada - ainda que vivendo as turras com elas -, uma papagaiada juntando ela a Toni busca fazer de conta que eles são um casal hétero. Para descrença generalizada do entorno. E, nisso tudo, o que o filme parece querer mostrar é que, no fim das contas, família é quem está ali, independente do que aconteça. Das dores sofridas, das frustrações recorrentes, dos sonhos interrompidos. Ao cabo, esta é uma obra frenética, caótica, barulhenta. Por vezes incômoda. Mas que se converte em uma peça de resistência, diante de um mundo obtuso, quadrado, antiquado. Vale conferir.
Nota: 8,5
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