terça-feira, 20 de agosto de 2024

Novidades em Streaming - A Hipnose (Hypnosen)

De: Ernst De Geer. Com Asta Kamma August, Herbert Nordrum e David Fukamachi Regnfors. Comédia / Drama, Suécia / Noruega, 2024, 98 minutos.

Nunca devemos abrir mão de quem somos. Da nossa personalidade ou natureza. Ainda mais para se dobrar a convenções sociais que não dialogam em nada com o que nos caracteriza. Mais ou menos essa parece ser uma das mensagens que fica do bonito e instigante A Hipnose (Hypnosen) - filme de estreia do diretor Ernst De Geer, que está disponível na Mubi. Especialmente para as mulheres, vamos combinar que é muito mais comum a busca por se adequar à padrões. À códigos morais. Pra tentar se encaixar em uma sociedade muitas vezes hipócrita, que supostamente valoriza a autenticidade, mas que não hesita em apontar dedos quando os supostos limites são ultrapassados. E, nesse contexto, nada mais inteligente do que jogar a história para o universo dissimulado das startups, onde por baixo do suposto véu do ambiente oxigenado, reside um ambiente de alta toxicidade, individualista e de busca desenfreada por poder e ascensão financeira.

Na trama acompanhamos o jovem casal Vera (Asta Kamma August) e Andre (Herbert Nordrum) que, a despeito das gritantes diferenças de comportamento, parece conviver de forma harmoniosa em meio a tarefas cotidianas e a expectativa que antecede os dias em que participarão de um daqueles programas de aceleração - em que jovens cheios de ideias apresentam novas tecnologias para investidores interessados. O produto de Vera e Andre é um aplicativo voltado à saúde reprodutiva das mulheres e que teria sido inspirado em um episódio ocorrido na pré-adolescência de Vera que, ao menstruar pela primeira vez, teria sido impactada pela notícia de que era hemofílica. E por mais relevante que possa ser esse conceito, ele encontrará algumas barreiras que envolvem não apenas a toxicidade da disputa em si - apenas um sairá vencedor -, mas também as seguidas crises de ansiedade da protagonista, o que ela compensa com o vício em cigarro.


 

Determinada a parar de fumar, Vera, vai a uma sessão de terapia em que ela passa por uma sessão de hipnose. A despeito da desconfiança inicial, a jovem sai do consultório mais leve. E estimulada a encarar a vida com mais naturalidade, sem filtros - mais ou menos como uma versão europeia e menos extravagante do que o personagem de Jim Carrey em O Mentiroso (1997). Só que em um contexto de tanto faz de conta, de tanta engambelação para ser aceita como o que ela estava prestes a adentrar - com suas reuniões em pequenos cubículos, conduzidas por sujeitos liberaloides e prepotentes, do alto de suas camisas estampadas e sapatênis -, era meio óbvio que a coisa sairia do controle. O que no começo é encarado como um traço de personalidade interessante de Vera - sua franqueza atroz soa atrativa e ousada, com imprevisíveis quebras de protocolo -, logo se converte em um sem fim de situações constrangedoras, ao lado de pessoas desconhecidas.

O auge da controvérsia se dá quando Vera adota um cachorro de "faz de conta" - um pet invisível que ela carrega para lá e para cá, em meio a jantares e encontros pelos ambientes empolados da empresa de tecnologia que organiza a disputa. Andre aparentemente tem boas intenções - está focado, quer organizar a coisa, chega até a negar uma transa ou uma proximidade a mais com a namorada, sob a desculpa de estar determinado a vencer essa corrida tão típica do capitalismo tardio. Só que ao não relaxar para absolutamente nada e não se divertir nunca, ele também perderá a mão - percebendo mais tarde que aquele teatro todo, aquela encenação hipócrita, talvez seja mais excêntrica que o comportamento insensato de sua parceira de vida. Com diversas camadas e múltiplas possibilidades de discussão, essa é uma obra que escancara a falsa sinalização de virtude desse segmento - supostamente atento a questões de gênero, de sustentabilidade e de respeito às diferenças -, ao mesmo tempo em que nos faz refletir a respeito da importância de não abrirmos mão de nossa integridade. O que não é pouco.

Nota: 8,5


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