De: Ken Loach. Com Ebla Mari, Dave Turner, Claire Rodgerson e Trevor Fox. Drama, Reino Unido / Bélgica / França, 2023, 113 minutos.
Vamos combinar que, nos tempos brutos que vivemos, não tem sido muito fácil manter a esperança por dias melhores. Ascensão da extrema direita, xenofobia, intolerância religiosa, crise climática, pandemia, tecnologia desenfreada - enfim, nada parece contribuir para um cenário de pacificação, em meio a tanta turbulência. E talvez seja justamente o excesso de otimismo - numa narrativa que, por vezes, beira a utopia -, o que tenha incomodado os espectadores acostumados ao estilo áspero do britânico Ken Loach que, com O Último Pub (The Old Oak), entrega aquele que, muito provavelmente, deve ser o seu último trabalho como diretor (ele está com 88 anos). Afetuosa e inspiradora a obra é daquelas que, mais uma vez, reforça a importância da coletividade e da empatia ao contar a história de um grupo de refugiados da Síria, que chega a uma pequena cidade conservadora do interior da Inglaterra, tendo de lidar com os preconceitos dos moradores locais.
Ao cabo, essa história é meio universal - seja no Brasil, nos Estados Unidos, na Inglaterra ou onde quer que seja. Para esses extremistas mais reacionários, imigrantes não costumam ser muito bem-vindos. E é por isso que um grupo de moradores da modesta Durham, no nordeste do País, fica exasperado quando aportam no local algumas famílias sírias saídas da zona de conflito. No passado, Durham já foi pujante - especialmente por causa da mineração, que garantia certa estabilidade econômica. Só que os tempos mudaram e os trabalhadores tiveram de lidar com o desemprego e com a recessão, especialmente no período em que Margaret Thatcher esteve no poder (o que reduziria, ainda, o poder dos sindicatos). Há um ressentimento no ar, que se amplia com a especulação imobiliária em um cenário de declínio, o que permitirá às famílias estrangeiras terem um teto pra chamar de seu. Entre elas a jovem Yara (Ebla Mari), que encabeçará uma luta para ser aceita, junto com sua mãe, seus irmãos e os demais refugiados.
Evidentemente que nada se comparará com a situação da Síria e da crueldade propagada por milícias governamentais locais. O que não impede Yara de sofrer todo o tipo de violência - aliás, já na chegada, ela tem a sua câmera fotográfica danificada por um hooligan delirante, que lhes recebe aos gritos. Conforme os dias passam, a jovem encontra algum amparo em uma antiga taverna (o The Old Oak do título original), mantida pelo carismático TJ (Dave Turner), um sujeito boa praça que, ao mesmo tempo que faz o meio de campo com os seus antigos amigos de mineração (servindo-lhes cerveja em meio a ruminações existenciais), também acolhe Yara. Mais do que isso, quanto mais eles se aproximam, mais será possível perceber que a história de lutas - seja ela de trabalhadores, de imigrantes ou de qualquer outra minoria -, sempre guardará semelhança. Especialmente pelo fato de ambos estarem, historicamente, na ponta mais frágil desse tecido social. Seja no neoliberalismo falido, seja no campo de batalha.
Há, por exemplo, uma sequência muito bonita em que Yara encontra, em uma sala adjacente do pub, uma coleção de fotos que remonta justamente aos tempos de greve - em que operários humilhados se empenhavam em garantir seus direitos. Em um dos quadros, é possível ver a frase "quando a gente come junto, permanece junto", que fornecerá à dupla uma espécie de insight que converterá o local em um espaço de acolhimento para qualquer pessoa em vulnerabilidade ou em extrema pobreza. Claro que a tarefa não será fácil. Muitos dos moradores da região estão de olho naquilo que consideram uma espécie de traição de TJ com os seus. "Agora tudo é para eles?", pergunta um menino em certa altura. "É que eles perderam tudo, saíram de suas casas só com a roupa do corpo", retruca o homem. Com um sem fim de instantes comoventes, essa é uma obra que nos lembra da importância da solidariedade, da pacificação e da aceitação da dor do outro. Os trabalhadores das mineradoras se sentiram abandonados com o fechamento das fábricas. Tiveram raiva, foram iludidos, perderam financeiramente. E encontraram um culpado fácil nos imigrantes - e não nas falhas do capitalismo. Tudo isso pode ser terreno fértil para o fascismo. E é preciso estar atento a isso. A quem são, de fato, os inimigos. Pode ser meio utópico, talvez até sonhador. Mas se abandonarmos a esperança, talvez o nosso coração pare de bater. É o que fica.
Nota: 9,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário