quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Cinema - Vermelho Sol (Rojo)

De: Benjamín Naishtat. Com Dario Grandinetti, Diego Cremonesi e Andreia Frigerio. Suspense / Drama, Argentina / Brasil / Holanda França / Alemanha, 2019, 106 minutos.

Existe uma frase sobre os "fascistas do futuro" que José Saramago NUNCA disse, mas que é atribuída a ele: "os fascistas do futuro não vão ter o estereótipo de Hitler e Mussolini. Não vão ter aquele jeito de militar durão. Vão ser homens falando tudo aquilo que a maioria quer ouvir. Sobre bondade, família, bons costumes, religião e ética". De certa forma, aquilo que assistimos em Vermelho Sol (Rojo) dialoga com essa sentença. Em uma das primeiras cenas do filme, dois homens discutem por um motivo banal em um restaurante lotado: enquanto um deles aguarda a esposa para poder jantar o outro, de pé, reclama de que poderia estar ocupando a mesma mesa para fazer a sua refeição de forma rápida. O primeiro dá uma lição de moral no segundo, atribuindo a este uma suposta vida infeliz, vazia, sem sentido, ao passo que o segundo reage com violência sendo retirado pela polícia enquanto chama a plateia paralisada de "nazista".

É uma sequência tensa, bem filmada, com inteligentes ângulos de câmera que nos permitem assistir os homens se observando, discutindo, se provocando. Há uma tensão no ar, que a gente vai perceber mais tarde que é fruto de algo maior, um tipo mal-estar político, institucional, de uma Argentina calejada por diversos Golpes de Estado sequenciais. A trama se passa em 1975, com o País sob intervenção - no ano seguinte, Maria Estela Perón seria deposta, instaurando uma ditadura permanente, que ficou conhecida na época como "Processo de Reorganização Nacional", com o Governo integrado por uma Junta Militar. Mas o filme do diretor Benjamín Naishtat não escancara as feridas de um estado de exceção na nossa cara. Opta pela sutileza, por uma narrativa que se desenrola sem pressa, abusando de metáforas. Enfim, acredita na inteligência do espectador e em sua capacidade de "ligar os pontos".


O episódio do restaurante resultará em uma inesperada tragédia, com o advogado Cláudio (Dario Grandinetti) tendo de lidar com ela. Representante das famílias de bem argentinas, Cláudio frequenta festas, joga tênis, vai a bons restaurantes, tem boa reputação em seu meio, respeita as autoridades. Mas possui um terrível segredo, que parece pronto para vir à tona a qualquer momento. E é colando uma série de imagens aparentemente desconexas na outra, que o diretor transforma essa agradável experiência cinematográfica em uma obra atmosférica, de sensações. Uma colcha de retalhos, que resume uma Argentina entorpecida por uma política de agressões que se impõe não de forma ostensiva, mas nas entrelinhas. Assim como a presença de "caubóis americanos" que se apresentarão em um espetáculo na cidade, não são apenas mero entretenimento e, sim, uma forma de atestar uma política externa alinhada com os Estados Unidos, que afasta o comunismo inexistente, que livra o País de um mal que não se sabe de onde vem. Mas que é tirânico, opressivo.

E quando esse mal se instala, o homem comum, o "fascista do futuro", se sente autorizado a agir na manutenção de seus interesses, pensando em seu bem-estar acima de tudo - de preferência em nome de Deus. Nesse sentido, cenas como aquela em que a família discute as melhores formas de se matar uma mosca ou aquela que mostra um eclipse do sol que torna tudo vermelho, sangrento, representam as figuras de linguagem que resumem um Estado falido, do cidadão que está contra o cidadão e, consequentemente, do ódio, do preconceito e da intolerância. Quando Cláudio se torna um corrupto em meio a uma transação imobiliária escusa ou assiste cair por terra, em meio ao desespero, todo o seu discurso de homem superior, branco e de uma classe média afável do começo do filme, constatamos o incômodo que se estabelece pela violência retida, normalizada e pronta para explodir. E não é preciso um banho de sangue visual para que tenhamos clareza sobre isso. O vermelho do ódio está em toda a parte, onipresente. No deserto, no restaurante. Basta um gatilho.

 Nota: 9,0

Nenhum comentário:

Postar um comentário