De: Léa Mysius. Com Adèle Exarchopoulos, Sally Dramé, Swala Emati, Moustapha Mbengue e Daphné Patakia. Drama / Suspense, França, 2022, 104 minutos.
Vicky (Sally Dramé) é uma menininha de oito anos com uma habilidade especial: por meio de cheiros, de aromas, ela consegue viajar no tempo. E assim vivenciar experiências do passado de uma forma meio mágica. Quase mística. É como se o conceito de memória olfativa fosse ampliado algumas vezes. E, não bastasse esse dom, ela tem um comportamento de verdadeira devoção quando o assunto é a sua mãe Joanne (Adèle Exarchopoulos), uma instrutora de natação. A premissa de Os Cinco Diabos (Les Cinq Diables) não dá pra negar, é curiosa. E te captura de uma forma quase instantânea. Na trama, mãe e filha residem em uma pequena cidade montanhosa que está ao redor de um enorme lago gelado (o Les Cinq Diables do título original). E é nele que Joanne, acompanhada da filha, tem o hábito de nadar. Mas não por muito tempo, pra não sofrer de hipotermia - Vicky fica a seu lado, fazendo soar um apito após vinte minutos.
Para conter os efeitos do frio na pele, a professora utiliza um produto - uma espécie de creme selante. Que é espalhado no corpo da mãe pela filha. A sobra dessa pasta, Vicky coloca dentro de um vidro (uma etiqueta indica que aquele é o frasco com os cheiros da mãe). Após mais algumas alquimias, que envolvem outras misturas, a pequena inala o conteúdo do pote. E desmaia. Sendo justamente esse o instante em que ela consegue viajar para o passado. E será em meio a esses sonhos bastante realistas, que Vicky descobrirá como uma tragédia abalaria a vida não apenas de sua própria mãe, mas também de seu pai, o o bombeiro Jimmy (Moustapha Mbengue), e também da irmã deste, a tia Julia (Swala Emati). E tudo piorará quando Julia chega, depois de um longuíssimo hiato, para uma visita à família. O que ocorrerá a contragosto de Joanne. Com uma série de segredos vindo paulatinamente à tona, a cada nova viagem no tempo da menina. Que andará pra lá e pra cá com sua coleção de aromas.
Claro, a tragédia familiar está no cerne da narrativa. Mas, nas entrelinhas, a diretora Léa Mysius aproveita o seu bem costurado roteiro para jogar alguma luz em temas que envolvem preconceitos diversos relacionados à gênero ou a raça. Jimmy é um homem negro ao passo que Joanne é branca. E Vicky endeusa a mãe de uma forma quase comovente - o que pode ser visto já nas primeiras sequências, onde ela repete os movimentos da mãe na beira da piscina. Na escola, a garotinha sofre bullying dos colegas, por conta de seu cabelo e de seu tom de pele. "Cabelo de bombril" gritos os outros estudantes, enquanto lhe agridem. Com tudo ficando ainda mais difícil quando Vicky descobre que a mãe tem uma espécie de paixão mal resolvida no passado. E que não era bem vista pelo pai de Joanne, Jean-Yvon (Patrick Bouchitey). E há ainda a misteriosa Nadine (Daphné Patakia), que trabalha com Joanne, e que possui uma deformação no rosto. O que teria ocorrido no passado envolvendo a todos ali? Parece complexo, mas não é.
Sem muita pressa, Mysius utiliza sua câmera contemplativa em meio a idas e vindas no tempo, e paisagens deslumbrantes e etéreas, que fazem com que a jornada jamais seja cansativa - ainda que a ambientação como um todo seja mais vagarosa. Há um ponto positivo na trilha sonora que, ao mesmo tempo em que é econômica, é efetiva (sendo ainda o ponto alto o uso da canção Total Eclipse of the Heart, da Bonnie Tyler, que dá aquele quezinho de nostalgia que a gente sempre adora e que desde já se insere como uma das grandes sequências de karaokê dos últimos anos). São contrastes interessantes que vão para além do óbvio elementar do fogo x água, que grita pelos cantos. Em linhas gerais trata-se de uma experiência que quase clama por uma revisão assim que sobem os créditos finais - e que pode ser eventualmente frustrante para aqueles que preferem as coisas mais bem explicadinhas. Mas esse é daqueles projetos que são como aromas que nos remetem ao passado: e que nos fazem viajar sem nem saber direito pra onde.
Nota: 8,5
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