De: Pedro Almodóvar. Com Carmen Maura, Antonio Banderas, María Barranco, Rossy de Palma e Julieta Serrano. Comédia dramática, Espanha, 1988, 89 minutos.
O estilo multicolorido, histriônico e farsesco de Pedro Almodóvar talvez tenha tido o seu primeiro grande ato com o clássico moderno Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos (Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios). A obra, afinal, com sua narrativa novelesca e verborrágica, pendendo para o absurdo, daria fama internacional ao espanhol - especialmente após a indicação ao Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira, na cerimônia de 1989. Ok, o filme até não faturaria a estatueta dourada - naquele ano havia um certo Pelle, O Conquistador (1988), melodrama que estava cativando o mundo -, mas pavimentaria o caminho para que Almodóvar se estabelecesse como um dos mais originais realizadores do cinema. Suas produções, atualmente, são aguardadas, comentadas. Atraem fãs no mundo todo. Costumam ser pontos altos em festivais. Aqui no Picanha mesmo esse já é o sexto texto sobre um filme do diretor. Um dos favoritos da vida, enfim.
Mulheres... é baseada, como não poderia deixar de ser, em uma peça de teatro - no caso, A Voz Humana, de Jean Cocteau. E isso explica também os motivos de grande parte da ação se passar no espaço imenso da luxuosa cobertura onde reside Pepa (Carmen Maura, que trabalharia um sem fim de vezes com Almodóvar). Na obra, Pepa atua como dubladora de filmes estrangeiros - é mais ou menos famosa no seu meio, a ponto de ser reconhecida nas ruas. Ainda no começo do filme, ela recebe um recado por telefone do seu amante Ivan (Fernando Guillén), que é seu colega de trabalho. Ele a está abandonando, pede para que ela arrume as malas dele, sem muita explicação. O que fará com que ela se desespere e tente, de todas as maneiras, descobrir os motivos disso. O que envolverá um sem fim de esforços entre ligações telefônicas, andanças pela cidade, recados e outras tentativas. Todas elas frustradas, em alguma medida.
E como se já não bastasse a tragédia particular que envolve a vida de Pepa, ela ainda receberá em sua casa a visita de sua amiga Candela (María Barranco), que está em fuga após ter descoberto que seu namorado teria ligações com grupos terroristas xiitas. Temendo ser presa ela pede asilo. Só que Pepa está colocando o apartamento à venda. Sendo que um dos interessados é justamente Carlos (um jovem Antônio Banderas), filho de Ivan, que aparece acompanhado de Marisa (Rossy de Palma, outra colaboradora habitual do diretor). O rebu todo se torna ainda maior quando a protagonista descobre a existência de uma terceira mulher na vida de Ivan, no caso a advogada Paulina (Kiti Manver), sendo que é com ela que o sujeito pretende fugir para Estocolmo. Com o caos sendo completo com o surgimento de Lucía (Julieta Serrano), ex-mulher de Ivan que está em um hospital psiquiátrico e, bem, aparentemente planeja matá-lo.
Bom, é claro que todos esse contexto bizarro de idas e vindas e de uma profusão imensa de personagens e de personalidades são apenas uma boa desculpa pra um sem fim de situações bizarras, excêntricas e engraçadas envolvendo todos ali. Apostando em coincidências como forma de unir os pontos - pessoas que se conhecem, eventos aleatórios que aproximam uns aos outros -, Almodóvar converte a obra em uma experiência tão anárquica quanto humana. De uma entediada Marisa que descobre um gaspacho na geladeira e resolve beber o produto - sem saber que ele está "batizado" com soníferos -, chegando ao instante em que um técnico que conserta telefones e um policial se confrontam, nada parece apenas jogado no roteiro, sem que haja um propósito. E é justamente esse senso de organização da narrativa que a torna tão única, bem ao estilo intenso que marcaria a obra do diretor. Pra quem ainda não está tão familiarizado com a filmografia do espanhol, esta pode ser uma bela porta de entrada. Só que se prepare: uma vez acessada essa porta, não haverá mais volta!
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