terça-feira, 23 de maio de 2023

Novidades em Streaming - Noites Alienígenas

De: Sérgio de Carvalho. Com Gabriel Knoxx, Chico Diaz, Gleici Damasceno, Joana Gatis e Adanilo Reis. Drama, Brasil, 2022, 89 minutos.

Primeiro filme do Acre a ser distribuído para o País, Noites Alienígenas mostra, de forma sutil, uma história de violência que avança sem muito controle, em uma região repleta de contrastes. Até os letreiros que surgem antes dos créditos finais - que citam o aumento assombroso de casos de assassinato de jovens no Estado, a partir do avanço de facções ligadas ao tráfico de drogas vindas da região Sudeste - a gente fica meio que "caçando" um sentido a mais para aquilo que assistimos. De alguma maneira trata-se de um painel que evidencia a complexidade das relações no Norte, fazendo colidir hábitos e costumes de povos originários com o enfrentamento da violência urbana que parece bordejar o cotidiano de todos ali. Na trama dirigida por Sérgio de Carvalho são três os personagens centrais: Rivelino (Gabriel Knoxx), Sandra (Gleici Damasceno) e Paulo (Adanilo Reis), três amigos de infância que residem na capital Rio Branco.

Criativo do ponto de vista artístico, Rivelino é um postulante a rapper apaixonado por grafite que ganha a vida vendendo drogas na boca mantida por Alê (o veterano Chico Diaz). As perspectivas são absurdamente poucas, a ponto de o jovem procurar os integrantes de um grupo criminoso mais bem organizado para tentar ampliar seus negócios. O que dá uma dimensão do baixíssimo senso de oportunidade do local. Nas ruas, entre idas e vindas, parece haver um saudável apelo para as artes - com os desenhos do jovem sendo espalhados de forma quase amadora, assim como são os encontros de hip hop. Quais os caminhos então? Para Paulo, um viciado em drogas, a situação é ainda pior já que ele parece estar sempre na "fissura". Pai de um filho de Sandra, vive na dependência química zanzando pela vila em maio a súplicas por dinheiro ou empreendendo pequenos furtos que sustentem seu vício.


Já Sandra, a jovem mãe negra que parece a única disposta a uma vida mais regrada - sonha em ser estudante de medicina enquanto se ocupa como caixa de um supermercado - encontra uma espécie de refúgio nas batalhas poéticas conhecidas como slam. De alguma maneira esse é um filme sobre complexidades, contrastes, potências e choques. Paulo, por exemplo, parece renegar a sua ancestralidade ao funcionar quase como uma caricatura do viciado. Por outro lado, Rivelino parece viver às turras com a mãe Beatriz (Joana Gatis), ao mesmo tempo em que sonha com uma vida melhor. Ao cabo essa é uma experiência sobre incertezas e sobre realidades fragmentadas - são muitos os personagens, inúmeras as vivências e uma carga emocional forte que parece colocar frente à frente ancestralidade e o progresso. Progresso mesmo? É um tipo de complexidade meio diluída em nuances.

Noites Alienígenas venceria cinco prêmios Kikito no Festival de Gramado do ano passado - além de Filme Brasileiro (batendo Marte Um, 2022), Melhor Ator para Gabriel Knoxx, Melhor Ator Coadjuvente para Chico Diaz, Melhor Atriz Coadjuvante para Joana Gatis e prêmio da crítica, além de uma Menção Honrosa para Adanilo. E para além do "filme-favela" essa é uma experiência que flerta com o realismo fantástico, ao colocar a suposta invasão alienígena como uma espécie de alegoria para a submissão das minorias, muitas vezes subjugadas e até escravizadas em contextos de opressão. Os povos indígenas estão ali, funcionando como um espectro que delimita - com seus hábitos, costumes, tradições. Sendo invadidos não apenas pelas facções do crime, mas também pelas igrejas evangélicas que avançam como um câncer especialmente em épocas de bolsonarismo. Nesse sentido, a cobra que se instala lentamente ainda no começo do filme talvez não esteja ali por acaso: ela é um símbolo. Uma metáfora pra esse cenário de tensionamento. E de disputas de poder.

Nota: 7,5


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