De: Jean-Luc Godard. Com Brigitte Bardot, Michel Piccoli, Jack Palance, Giorgia Moll e Fritz Lang. Drama, França, 1963, 103 minutos.
Como bom americano, Prokosch está familiarizado com o conservadorismo de seu público. As famílias de bem, ele sabe, não conseguem lidar com essa liberdade toda. Para Paul é a oportunidade dos sonhos, pelo visto. A ponto de ele sequer se importar quando Prokosch oferece uma carona cheia de segundas intenções a sua bela esposa Camille (Bardot). Mais do que isso, o roteirista faz questão de enviar a jovem no carro do, até então, desconhecido. Demorando a chegar a seu destino - a ideia é que todos tomem juntos um drink para selar o contrato na suntuosa casa do produtor. Ainda que nunca pareça ficar evidente a real intenção de Paul, seu comportamento estranho faz o público acreditar que ele está, de alguma maneira, vendendo seu passe. A moeda de troca? A própria mulher. Que, claramente, é apaixonada pelo roteirista. Quer dizer, ela era apaixonada. Muito - como a longa sequência inicial comprova. Sentimento que se esvaziará de forma inexorável e de forma muito rápida com o passar do tempo.
É uma história de amor? Sim, é uma história de amor. Mas à moda Godard, claro, com todas as trucagens técnicas, que são típicas do diretor - e que vão desde a montagem enigmática, passando pelo uso de cores surpreendente e pelos longos e filosóficos diálogos, até chegar à metalinguagem (com o filme dentro do filme sendo mera desculpa para uma série de discussões que envolvem relacionamentos e suas escolhas, frustrações e sonhos despedaçados). Para Camille pouco interessa o universo exibicionista do cinema. "Delírios de Loucura, de Nicholas Ray, está passando no cinema, gostaria de assisti-lo?" pergunta Paul a uma desinteressada Camille. "Não", ela responde. "Fui eu que escrevi o roteiro", retruca o sujeito. "Eu sei", diz ela, mal mexendo o rosto. De alguma maneira o comportamento submisso mas corajoso da jovem é o de alguém que espera que as decisões importantes em uma relação se encontrem com o que ela deseja. O que faz com que ela se sinta apenas desapontada a cada novo acontecimento.
As interpretações são cheias de sutilezas, a ponto de a gente quase nem perceber o direcionamento que a trama, levemente vagarosa, está tomando. Em certa altura, Camille pretende surpreender o marido usando uma nova peruca e um vestido luxuoso. Mas ele está apenas interessado na viagem à Capri, a convite do produtor - e que poderá fortalecer a parceria de negócios. Há um apartamento novo, enorme, a ser pago. O trabalho como roteirista deve dar conta. A narrativa avança em meio a longos devaneios em que Camille não consegue explicar exatamente o que ocorreu. Ela apenas despreza o seu marido. Não o ama mais. De um dia para o outro a coisa mudou. Ambos se distanciaram e tudo esfriou. A mera sugestão de sexo é motivo de deboche. As trocas se toram burocráticas, pouco amistosas - a ponto de chegar às agressões mútuas. Físicas e psicológicas. Tudo acompanhado da comovente e quase repetitiva trilha sonora. Que inunda as cenas. Preenche cada canto. Em resumo e o que fica: "quem ama cuida", já diz o chavão. Que, aqui, num filme cabeçudo do Godard, se aplica direitinho.
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