De: Mijke de Jong. Com Nora el Koussour e Ilias Addab. Drama, Holanda / Alemanha / Bélgica / Jordânia, 2016, 98 minutos.
A mistura de fanatismo religioso, apelo político e militarismo pode ser, como vocês sabem, explosiva. Aliás, em alguns casos, literalmente. E, de alguma forma, é exatamente este o tipo de impacto provocado pelo duro e melancólico Layla M. (Layla M.), uma joia "perdida" na Netflix e que foi a obra enviada pela Holanda para o Oscar de 2018. Na trama somos apresentados à jovem marroquina Layla M. (Nora el Koussour) que, a despeito da personalidade extrovertida, mantém um contato bastante próximo com grupos islâmicos radicalizados que atuam em Amsterdam com o objetivo de confrontar a xenofobia e as diversas medidas anti-muçulmanas de seu País de adoção. Aliás, é já na primeira sequência do filme dirigido por Mijke de Jong que percebemos uma espécie de sensação de "não pertencimento" da protagonista: ela é expulsa de um jogo de futebol em meio a uma discussão em que se sobressaem o preconceito e a misoginia.
Insatisfeita com o comportamento intolerante de seus colegas - e da sociedade como um todo -, ela se converte em uma ardorosa seguidora de Alá, do Alcorão e de tudo aquilo que se serve como base para a religião muçulmana. Mais do que isso, por meio de vídeos no Youtube, passa a flertar com canais que se valem do extremismo como argumento. Embebida pelo discurso de confronto - que evolui, aliás, para um contexto que se assemelha aos efeitos gerados nos usuários de drogas -, a jovem não estabelece limites em sua rotina, se tornando ainda mais intolerante do que os intolerantes. E tudo piora, para desespero dos pais, quando Layla se aproxima de um grupo jihadista. Aliás, é nesse coletivo que ela conhece o marido Abdel (Ilias Addab), indo morar no Oriente Médio. E, bom, não é preciso ser nenhum gênio para saber que Layla enfrentará dificuldades ainda maiores no local, se deparando com restrições, machismo e (muita) violência.
Em algum sentido, a temática semelhante da obra faz lembrar bastante o doloroso O Jovem Ahmed (2020) dos Irmãos Dardenne - obra que evidencia o potencial altamente destrutivo do fanatismo religioso, especialmente quando ele é apresentado como um caminho para as pessoas emocionalmente fragilizadas ou inseguras. Esse contexto, de forma bastante comum, costuma seduzir os jovens que, então, passam a se sentir empoderados, de uma maneira quase cega. É um tipo de comportamento, aliás, que vai para além do campo religioso, chegando à política - e basta pensar em "buracos" digitais como o movimento de extrema direita norte-americano QAnon, que se vale de teorias conspiratórias e outros métodos beligerantes como forma de, supostamente, denunciar uma guerra cultural em curso. No caso de Layla, tudo aquilo que coloca em xeque as suas crenças será motivo para uma reação mais extrema. E, nesse sentido, não deixa de ser comovente a sequência em que a melhor amiga da protagonista tenta demovê-la da loucura em que ela parece disposta a mergulhar.
E, para os pais e os demais familiares é ainda pior: tentando levar uma vida razoavelmente normal na capital da Holanda, a despeito da desconfiança (e da perseguição) que paira sobre o povo árabe - justamente por causa da existências de células fanáticas do jihadismo que, nunca é demais dizer, não representam os preceitos reais dos muçulmanos (o problema, reforço, está no extremismo) - precisam confrontar as naturais dificuldades decorrentes da xenofobia e a espiral obsessiva da filha. E toda a construção se dá a partir da adoção de uma estética áspera, com cores pálidas e tomadas de câmera claudicantes e próximas dos rostos dos personagens, o que amplia a sensação de entorpecimento. É uma obra forte que conta com ótimas interpretações de todo o elenco e que ainda reserva uma curiosa reviravolta para o instante final. O clima é de denúncia, mas até certo ponto nos perguntamos onde está o certo e o errado, em um mundo tão intolerante e tão cheio de ódio. Filmaço.
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