De: Bo Burnham. Com Elsie Fisher, Luke Prael, Josh Hamilton, Fred Hechinger e Emily Robinson. Comédia dramática, EUA, 2019, 94 minutos.
Vamos combinar que a oitava é a série mais desgracenta do colégio. É quando atingimos aquele ponto em que a gente já não sabe mais se ainda é criança ou se já tá começando a ser adulto. Todos nós já passamos por essa experiência ali pelos 12 ou 13 anos. É um período em que uma espécie de amadurecimento meio forçado costuma bater na porta, na mesma proporção de nossas inseguranças, medos, ansiedades. É um momento em que, honestamente, ficamos meio perdidos entre as brincadeiras infantiloides de outrora e o despertar de outras vontades - que mais tarde se converterão em uma série de novas "primeiras vezes". E creio que poucos filmes, até hoje, tenham conseguido captar tão bem esta realidade, quanto o ótimo Oitava Série (Eighth Grade) - uma pequena joia disponível na Netflix e que foi dirigida pelo sempre ótimo comediante de stand up Bo Burnham (aliás, o que me fez ser atraído para o projeto).
Esse é o coming of age por excelência. Aquela obra que mostra que vai ser difícil, vai dar vontade de jogar tudo pro alto, mas que será possível superar. É quase como se o filme te pegasse pelo braço e te dissesse "não dá bola pra todo esse caos, que lá no final você vai rir disso tudo". Eu, por exemplo, era uma verdadeira tragédia às portas do Ensino Médio. Gordo, alto, de óculos, até era aquele sujeito mais ou menos boa praça, mas nada popular. Com as meninas, um desastre. Inseguro. Mas todas essas dores, parece bobagem, fortaleceram. Formaram, de alguma maneira, o meu caráter. Compuseram a minha personalidade. Fizeram enfrentar as dores da vida, fossem elas amores mal resolvidos ou um chefão de fase impossível de ser transposto no videogame. E Oitava Série vai nas entranhas disso ao nos apresentar a sua carismática protagonista Kayla (Elsie Fischer).
Kayla é a garotinha quieta, cheia de espinhas na cara, levemente acima do peso e bastante tímida. Uma jovem de doze, treze anos, como muitas. Em sua rotina, visitas infinitas às redes sociais e a atualização de um canal de Youtube com dicas sobre comportamento, vistas por praticamente zero pessoas. Aliás, nas suas dicas online - muito pertinentes, por sinal - costuma aparecer a jovem destemida e "corajosa" que ela não costuma ser. Retraída, fica praticamente paralisada quando se vê diante do jovem Aiden (Luke Prael), com quem mal consegue conversar. E fica ainda mais embasbacada quando recebe um convite para um banho de piscina da popularíssima Kennedy (Catherine Oliviere). Em meio a uma ou outra conquista em sua bolha social, ela vai adquirindo mais confiança. Amplia as amizades com adolescentes mais velhos, em uma espécie de programa estudantil que promove esse tipo de intercâmbio. Sofre, chora, chora mais um pouco e sofre. E briga com o pai. E é lacônica. E se depara com abusos. Inesperados. Outras dores. Algumas bem mais difíceis e lidar.
A naturalidade com que Burnham conduz a narrativa é não menos do que envolvente. É uma obra vibrante, mas que também nos faz refletir sobre relacionamentos familiares, conflitos de gerações, usos da tecnologia e importância das boas amizades. Intercalando ótimas piadas com instantes mais reflexivos, o diretor compõe um verdadeiro painel dessa garotada classe média da escola particular que ainda não tem nenhuma noção do mundo, se comporta como se tivesse, mas que, no fim das contas, provavelmente tá com a autoestima muito baixa para revelar quais são os seus problemas reais, no mundinho que os rodeia. A trilha sonora - especialmente as peças instrumentais caudalosas de Anna Meredith - é ótima. Os diálogos são surpreendentes e cômicos ("mãe, quem ainda usa o Facebook?"). As tomadas de câmera curiosas contribuem para que haja um certo estranhamento divertido (alguém mascando um chiclete ou uma foto despretensiosamente preparada para o Instagram). É tudo muito legal nessa comédia dramática independente que merece ser descoberta. Podem ir na fé.
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