De: Rebecca Hall. Com Tessa Thompsom, Ruth Negga, Alexander Skargard, Andre Holland e Bill Camp. Drama, EUA / Reino Unido, 2021, 98 minutos.
Baseado no livro de Nella Larsen, Identidade (Passing) é mais um caso de uma ótima ideia que, talvez, não tenha sido tão bem explorada assim. E, aqui, está falando um sujeito que gosta de obras herméticas, que não tragam soluções tão fáceis e que deixem muitas das suas ideias nas entrelinhas, no campo sugestivo. Só que não podemos confundir complexidade com confusão. E devo admitir que o desenrolar meio truncado do filme de estreia da atriz Rebecca Hall pode ter prejudicado uma parte da experiência. Ao menos de forma aparente, a tentativa de discutir racismo, hipocrisia da sociedade e relacionamento gay num mesmo combo e, ainda, de forma bastante sutil, fez com que nenhum dos temas pudesse ter a profundidade necessária para que, como espectadores, nos engajássemos mais. E isso em um projeto tecnicamente soberbo, com ótima fotografia em preto e branco empalidecida, riquíssimo desenho de produção e figurinos bastante elegantes.
A trama volta 100 anos no tempo para nos apresentar a Irene Redfield (Tessa Thompson), uma dona de casa negra casada com um médico (Andre Holland), que ocupa seus dias em atividades cotidianas - como ir as compras - e a atuação em uma espécie de organização que visa o bem-estar da comunidade afro (um tipo de centro de cultura, com música, dança e outros). Em certo dia de calor escaldante, ela vai a uma cafeteria luxuosa em outro canto da cidade para se refrescar, quando se deparar com uma mulher branca e loira, com jeito de rica, que não para de encará-la. São instantes de agonia em que ela acredita que será repreendida por estar em um local frequentado por brancos de classe alta (e não esqueçamos que a política norte-americana da época era de enorme segregação racial). Quando a mulher se aproxima de Irene ela percebe, embasbacada, que se trata da antiga amiga Clare (Ruth Negga), uma negra de pele clara, assim como a da protagonista, que, agora, vive uma vida dupla em que se passa por caucasiana.
Irene fica absolutamente chocada com a revelação a respeito da nova "identidade" da amiga de infância, que é casada com banqueiro extremamente racista (papel de Alexander Skargard). O que não impedirá o fato de ambas se reaproximarem, meio aos trancos e barrancos, participando de eventos sociais e outras atividades. E será justamente por meio dessa aproximação, que perceberemos que as fissuras entre ambas não tem a ver apenas com a forma com que as duas vivem - em meio a relacionamentos de fachada e construções sociais frágeis. Há também algo maior, relacionado ao passado e que parece sempre pronto à vir a tona. Sendo aqui, a meu ver, o grande problema da construção narrativa: não bastasse a edição completamente desleixada há algo bastante frustrante na ideia de que algo poderá acontecer a qualquer momento - mas nunca acontece. É uma espécie de "não ocorrência", em que os instantes são entrecortados, mas nunca com a força necessária para que criemos algum vínculo maior com o roteiro.
Como exemplo, é possível citar a persistência de Irene em fazer com que Clare e seu marido saiam juntos, dancem se divirtam. São momentos em que a gente pensa "agora o bicho vai pegar, talvez ocorra alguma traição, ou a coisa saia do prumo de alguma forma", para, no corte seguinte, nos depararmos com outra janta, outro evento em que a lógica dos fatos já é completamente outra. Isso não impede, claro, que a trama flua com elegância, numa narrativa mais vagarosa e menos convencional que o normal, com a aposta em olhares, em silêncios e outras formas de comunicar. Só que a sutileza pela sutileza pode chegar a um ponto que mais nos confunda do que nos faça inferir algo. Havia algo a mais na relação das protagonistas? E sobre as vidas delas, eram tão diferentes assim? E se o marido de Clare descobrisse seu segredo? Houve alguma traição? E a "surpresa" do final... o que de fato aconteceu? No fim das contas há tantas perguntas sem respostas, tantas dúvidas no ar, que fica a impressão de que necessitaríamos de algo mais palpável em meio a tantos subtextos. Não é ruim: é bonito, tem potencial pra boas discussões, mas parece que gera o sentimento de que faltou algo. Pode ter sido apenas um sentimento meu. Vocês que me digam.
Nota: 6,0
Belíssima resenha, 👏👏👏
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