quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Tesouros Cinéfilos - A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen)

De Florian Henckel von Donnersmarck. Com Sebastian Koch, Ulrich Mühe e Martina Gedeck. Drama, Alemanha, 2006, 138 minutos.

Vencedor do Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira em 2007, o alemão A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen) é uma obra sobre a verdadeira fixação dos governos ditatoriais em controlar a vida do cidadão comum. Na trama voltamos no tempo, mais precisamente para a Alemanha Oriental, no ano de 1984. É nessa Berlim separada por um muro que a Stasi - órgão ligado ao Ministério da Segurança da República Democrática Alemã (RDA) -, monitora potenciais candidatos à subversão. É o caso do dramaturgo Georg Dreyman (Sebastian Koch) que, pelo simples fato de ser um sujeito ligado às artes, se torna automaticamente um "merecedor" de uma maior vigilância. Por mais que, aparentemente, eles esteja plenamente alinhado ao Estado Socialista - e não deixa de ser excentricamente apavorante a sequência em que o capitão Gerd Weisler (Ulrich Mühe) decide inspecionar a vida de Dreyman, após assistir a uma de suas peças, cheias de simbolismos e de eventuais alegorias.

Só que após instalar um amplo sistema de grampos no apartamento do artista, passando a acompanhar seus movimentos, Wiesler vai se tornando cada vez mais fascinado pela vida do intelectual - uma espécie de bon vivant que aproveita a vida, a despeito do cerceamento das liberdades, em meio a festas, conversas aleatórias sobre artes (e política) e muito sexo com a sua linda companheira Christa-Maria (Martina Gedeck). Sobre a suposta insubordinação ao Partido não aparece muita coisa. Ao menos até uma certa altura, quando o amigo diretor de teatro Albert Jerska (Volkmar Kleinert) se suicida. O que desperta a curiosidade de Dreyman a respeito da completa ausência de informações divulgadas pelo Ministério da Defesa a respeito de pessoas que tiram a própria vida. E a situação piora ainda mais quando Christa é abusada sexualmente pelo repugnante Ministro da Cultura Hempf (Thomas Thieme), forçando a barra para que Weisler encontre qualquer pista que possa incriminar Dreyman.



Sim, é um pouquinho complexo. E dolorido. Especialmente quando vemos escancarada a sanha punitivista de um Estado que é incapaz de lidar com "adversários" políticos, enxergando inimigos em tudo quando é canto. E, nesse sentido, não pode haver sequência mais constrangedora do que aquela que envolve um grupo de acadêmicos da própria Stasi, em que uma simples piada se torna a desculpa para um tipo de assédio não menos do que revoltante. Aliás, uma piada, um livro, uma peça de teatro, uma música, uma pintura... tudo que subverta a lógica quadrada, cafona desses líderes que só sabem conversar na linguagem das armas, da violência, do cerceamento e do lugar-comum passa a incomodar os representantes do Estado. O simples ato de transar, de fazer sexo, é motivo de assombro - e não é por acaso que aquele grupo de sujeitos suarentos (e nojentos) se vê fascinado pela entrega de Christa à Dreyman. Ele, afinal, sabe tratar a sua mulher. Sem ser misógino. E, sem necessariamente, precisar recorrer a estupros ou a prostituas para a eventual satisfação de parte de suas vidas completamente ocas.

E por mais pessimista que a obra seja ela mantém a esperança na humanidade ao converter Weisler em um sujeito que passa a confrontar o sistema ao qual ele está ligado. A cada dia em que ardorosamente monitora Dreyman, ele vai se encantando por uma existência outra, que subverta a lógica bélica daquele modelo. Nesse sentido não deixa de haver algum tipo de otimismo em tanto desalento - uma sensação que é ampliada pela paleta de cores em tons pasteis, que somam aos figurinos monocromáticos que servem para evidenciar a falta de "vida" vista no período (com a queda do muro, com pequenos contrastes e com uma iluminação mais viva, contribuindo, mais tarde, para mostrar o oposto disso). Por fim cabe dizer que, por mais que estejamos falando de um filme sobre a Alemanha Oriental, nunca é demais estarmos atentos àquilo que acontece no nosso País, para que evitemos qualquer arroubo ditatorial ou totalitário que possa representar algum tipo de repressão. Afinal, ninguém quer ter as suas vidas monitoradas por sujeitos retrógrados, mal resolvidos sexualmente, e absurdamente misantropos.

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