De: Sarah Adina Smith. Com Diana Silvers, Kristine Froseth, Jacqueline Bisset e Stav Strashko. Drama, EUA, 2021, 114 minutos.
Devo admitir que, a despeito da temática atrativa, fui para a sessão desse Pássaros de Liberdade (Birds of Paradise) - novo filme disponível na plataforma da Amazon Prime -, sem maiores expectativas. E talvez seja por isso que tenha me surpreendido positivamente. Ok, não estamos diante de um novo Cisne Negro (2017). Não chegamos a tanto. Mas isso não desmerece o esforço da diretora Sarah Adina Smith em não apenas nos entregar uma obra sobre superação de obstáculos - algo bastante natural nas academias de balé -, mas também uma experiência eventualmente sensorial, o que amplia o arco narrativo central para além da disputa por espaço envolvendo duas jovens bem diferentes entre si. Nesse sentido, acredito que a película agradará em cheio não apenas os fãs de cinema mais jovens - especialmente pelos conflitos à moda millenial -, mas também os mais experientes que poderão, aqui e ali, encontrar algum sentido um pouco mais aprofundado nas eventuais mensagens cheias de simbolismos espalhadas no roteiro.
Nesse sentido, há um momento meio central em que Kate (Diana Silvers) e Marine (Kristine Froseth) conversam, numa tentativa de "aproximação" - já que, até aquele momento, os eventos ocorridos nos bastidores da academia de balé que ambas frequentam, serviriam apenas para colocá-las como as antagonistas da trama. No diálogo, Kate revela uma história que era sempre contada pelo seu pai, na juventude, sobre os animais estarem se comportando muito mal na floresta em que viviam. Insatisfeitos com a situação, os deuses teriam envolvido a Terra em um amplo cobertor escuro, tapando inclusive o sol. Foi então que uma pequena passarinha resolveu voar o máximo que podia, o mais alto possível para "bicar" o cobertor, fazendo buracos nele. Impressionados com a valentia do pequeno animal, os deuses resolveram amenizar a pena deixando a terra coberta em apenas metade do dia. E foi assim que o dia e noite teriam sido concebidos. Com as estrelas sendo cada um dos furos feitos pela passarinha.
Ok, talvez contando assim esse momento possa soar meio bobinho. Talvez até infantil. Mas ele é concebido de uma forma muito mais evocativa, com a inserção de colagens de imagens fabulosas, quase como uma espécie de devaneio bucólico, de belíssimo resultado visual. Não são poucos os instantes em que Kate e Marine surgem dançando ou interagindo de alguma outra forma, o que faz com que o espectador mergulhe em um universo abstrato, extravagante, em meio a densa floresta. E é ao elevar a parte técnica para um patamar levemente superior, que o filme alcança uma outra proporção na abordagem da "obra de amadurecimento". Fora o fato de que não há vilões desenhados de uma forma óbvia na história - e a quebra de estereótipos também é um mérito. Kate é a menina pobre, uma espécie de Billy Elliot que alcança seu sonho através de uma bolsa de estudos (e com grande esforço de seu pai). Já Marine é a filha enfastiada de uma diplomata, que utiliza sua influência (e seu dinheiro) para benefícios próprios. A conexão entre as duas servirá para que percebamos a exigência do universo desse tipo de arte, de tão altíssimo nível, seja o verdadeiro "vilão".
Ainda assim é claro que este não é o único arco narrativo. Há tramas paralelas que movimentam a história - caso do pouco esclarecido caso da morte do irmão gêmeo de Marine, com o qual ela mantinha uma relação quase simbiótica. Há também a insatisfação dos pais de Marine sobre o destino da bolsa de estudos gerida por eles, com seus recursos. Além das pitadas que envolvem encontros e desencontros dos jovens, com o abuso de drogas, o sexo, a superação de limites e as imposições físicas surgindo o tempo todo como limitadores. É, ao cabo, um filme de beleza estética e que ainda provoca reflexões sobre tomadas de decisão e sobre como elas poderão influenciar as nossas vidas para sempre. E sobre como é importante poder colocar a cabeça no travesseiro sem sofrer com dúvidas morais, éticas. Para um filme "juvenil", não deixa de ser interessante. Ah, e quase esqueço, ainda há a veterana musa Jacqueline Bisset, do alto dos seus 77 anos e mais de 50 filmes na carreira, interpretando a instrutora linha dura. Vale conferir.
Nota: 7,5
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