sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Cinema - O Escândalo (Bombshell)

De Jay Roach. Com Charlize Theron, Nicole Kidman, Margot Robbie, John Lithgow e Allison Janney. Drama, EUA, 2019, 109 minutos.

Dada a relevância da temática, O Escândalo (Bombshell) tinha tudo para ser um dos grandes filmes do ano, mas o resultado é apenas ok, afinal de contas, vamos combinar que não dá pra tratar com deboche (e até com uma leve inclinação para a passação de pano) o caso real de assédio sexual envolvendo o CEO da Fox News Roger Ailes (John Lithgow, embaixo de toneladas de maquiagem). Foi em 2016 que o episódio - que, confesso a vocês, desconhecia - veio à tona, após uma série de denúncias feitas por jornalistas que trabalharam no canal. Sim, a ideia de que efetivamente existam os repulsivos "testes do sofá" é tão antiga quanto a própria TV. Mas são poucas as jornalistas que tem a coragem de levar acusações adiante, reunir provas e enfrentar exaustivas horas de tribunal que podem, em uma sociedade tão machista como a nossa, ainda por cima comprometer as suas carreiras. E, nesse sentido, a intenção da película é nobre, claro.

Só que a abordagem é o que não funciona tão bem. Há um tom geral bastante ameno na discussão de um tema tão pesado: as quebras de quarta parede, o reforço de estereótipos, as piadinhas fora de hora e até as eventuais tentativas de justificar (pasme) o comportamento de Ailes, tornam o resultado quase oposto. Só que apesar da confusão estabelecida pelo diretor Jay Roach (que esteve à frente da série Entrando Numa Fria e comandou bobagens como Um Jantar Para Idiotas), que parece nunca saber exatamente se está fazendo um drama ou uma comédia, o seu ótimo elenco feminino ainda segura as pontas, o que evita o projeto de naufragar completamente. A começar por Nicole Kidman, que transforma a sua Gretchen Carlson na porta-voz quase isolada na luta contra o patriarcalismo que, em canais de TV tão conservadores como a Fox News (é a Globo News americana, aquele canal assistido pelas famílias geriátricas votantes do Trump), é perpetuado há décadas.


Após ser demitida do canal ao dar um aceno a pautas mais progressistas em seu programa matinal - mais ou menos como se a Ana Maria Braga começasse uma campanha contra o porte de armas aqui no Brasil -, Gretchen processa Ailes por assédio sexual. A sua luta ganhará apoio mais tarde, ainda que divida a opinião pública e a própria redação, que tem na figura da jovem Keyla Pospisil (Margot Robbie) sua principal expoente. Ambiciosa, conservadora, integrante da família de bem - ainda que bissexual -, deseja um posto em algum programa de relevância do canal, o que ela não conseguirá sem a famosa contrapartida. Aliás, sobre isso, é no mínimo questionável a opção da direção de câmera na cena em que Ailes abusa da jovem, já que a sequência seria muito mais impactante se optasse por enquadrar apenas as expressões e as reações do rosto de Margot, diante do episódio absolutamente grotesco que estava vivenciando.

De qualquer maneira o filme tem alguns méritos e o primeiro é levar ao conhecimento do público esse episódio tão absurdo. Há ainda uma crítica bem engendrada nas entrelinhas sobre o comportamento beligerante e machista de Trump (aliás, vamos combinar que o Bolsonaro faz IGUAL), especialmente em sua relação com a imprensa - e, pior, com as mulheres na imprensa. Ele seria eleito naquele ano, aclamado pelo público da Fox News, o que não faria as mulheres esmorecerem, já que a luta ganha força quando outra jornalista, a experiente Megyn Kelly (Charlize Theron) se alinha a causa. No fim, trata-se de uma obra que coloca frente a frente um polo mais fraco e outro mais forte nesse ecossistema cheio de homens engravatados, que são as grandes corporações. O resultado final nos deixa com um meio sorriso, já que esse tipo de luta inglória precisa ainda de muitos outros passos para que o respeito comece efetivamente a prevalecer, especialmente em ambientes competitivos como os canais de televisão, que mentém a crença fetichista de que apenas mulheres bonitas devem ter espaço diante das câmeras.

Nota: 6,5

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