segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Tesouros Cinéfilos - Animais Noturnos (Nocturnal Animals)

De: Tom Ford. Com Amy Adams, Jake Gyllenhaal, Michael Shannon, Laura Linney e Aaron Taylor-Johnson. Drama / Suspense, EUA, 2016, 115 minutos.

Atire a primeira pedra quem nunca tomou decisões erradas na vida, das quais se arrepende amargamente. Sim, todos nós já passamos por isso e, de alguma forma, uma das tantas subtramas contidas no enigmático Animais Noturnos (Nocturnal Animals), do diretor Tom Ford, trata desse tema. Mais especificamente da tentativa de continuar a vida a partir de escolhas que poderiam ter sido melhor pensadas. Vai saber. Mas o filme também é sobre exorcizar demônios, especialmente a partir da criação artística. E, estes aspectos, somados a outros, tornam esta não apenas uma excelente obra de suspense, mas também uma importante reflexão a respeito de nossas atitudes. Na trama, Susan (Amy Adams) e Edward (Jake Gyllenhaal) são divorciados. Ela, uma artista plástica com alguma reputação - sua nova (e provocativa) instalação acaba de ser lançada. Ele, um escritor que tenta de todas as formas lançar algum livro que emplaque no mercado editorial.

Em comum o fato de ambos estarem tentando seguir em frente, a partir de um término aparentemente traumático - os fatos que resultam da separação descobriremos mais tarde. No começo do filme, Susan recebe de Edward uma espécie de manuscrito com a sua nova obra. Intitulada Animais Noturnos e dedicada a ex, contará a história de um casal que sai de férias, acompanhado da filha. O que era pra ser uma noite tranquila, se torna uma experiência de terror: eles encontram uma espécie de gangue na estrada, que inicia uma série de jogos sádicos com a família, após o veículo destes ficar com um pneu furado. Os longos minutos de sofrimento e de violência, terminam com esposa e filha sequestradas, com o protagonista do livro, em desespero, tentando localizá-las de todas as formas. Para isso contará com a ajuda de um misterioso detetive - vivido pelo sempre competente Michael Shannon.


O que acompanhamos no filme, na verdade, é a leitura que Susan está fazendo do livro - e Ford, um estilista que se tornou diretor de cinema, é inteligente ao replicar a visão de mundo da protagonista, para aquilo que vemos encenado em tela. Por exemplo, o pai da família dentro do livro, um sujeito de nome Tony Hastings, tem a fisionomia do ex, ao passo que a esposa se parece com ela (mesmo sendo vivida por Isla Fisher). Os eventos trágicos serão descortinados aos poucos, condição em que será possível perceber um sem fim de contrastes: Edward parece finalmente ter encontrado a sua maestria artística com o seu talentoso livro. Já Susan, apesar de rica, parece frustrada. A espiral de decadência burguesa se completa com um relacionamento frio - seu marido Walker (Armie Hammer), sequer participa da vernissage de lançamento de seu trabalho (uma sequência inesquecível vista no começo da película). E logo parte em viagem. Onde encontra uma amante.

Parece meio confuso, mas não é. Susan, assim como sua família (a única participação de Laura Linney como a mãe da artista plástica é ótima), sempre foi ambiciosa. Isto fica presente nas entrelinhas, nas conversas com amigos e pessoas ligadas ao meio em que vive. E o casamento com um postulante a escritor pobretão - por mais que se tratasse de um sujeito romântico, sensível e dedicado -, nunca representou o tipo de status que ela desejaria. Só que o caso é que a leitura e, especialmente, a conclusão do livro que lhe foi remetido, não lhe farão perceber que não apenas ela mudou. Ou se arrependeu. Ele também está mudado. E o momento em que ele afirma que escreve para "manter as coisas vivas, coisas que morrerão um dia" pode até parecer um contrassenso: mas representa, na verdade, alguém que está seguindo em frente. E que utiliza uma novela fictícia como representação desse sentimento. Isso se pensarmos que efetivamente foi ESSE o sentido que Edward quis dar a sua publicação.



Com desenho de produção e fotografia espetaculares - gosto dos contrastes entre as cores dos objetos, como na cena em que um sofá vermelho aparece em meio ao deserto amarelado e suarento -, o filme ainda utiliza os flashbacks de forma inteligente para que conheçamos um pouco mais da história do casal, do declínio da relação e de quais os caminhos que os fizeram chegar até o estágio atual. Reflexão valiosa sobre comportamento, sobre tentativa de mudança e sobre a produção de sentido na arte, a obra mantém a expectativa até a última sequência, jamais abandonando o clima de noir misterioso, sofisticado, que pode ser percebido na elegância dos figurinos e ambientes requintados, que surgem como um contraponto da violência animalesca produzida pelas figuras "noturnas", suas roupas sujas e seus modos agressivos. Filmaço.

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