terça-feira, 20 de agosto de 2019

Picanha.doc - Privacidade Hackeada (The Great Hack)

De: Jehane Noujalm e Karim Amer. Documentário, EUA, 2019, 114 minutos.

Já deve ter acontecido muitas vezes com você, leitor do Picanha: você entra em um site qualquer, atrás de algum produto. Digamos, um tênis novo. Zapeia, olha os modelos, navega por algum tempo. Abandona a ideia. Resolve entrar um pouco nas suas redes sociais. Lá está um banner com os mesmos tipos de tênis que você estava buscando. Com promoções de 20, 30% de desconto. Atrativo. Colorido. A propaganda se repete. Por dias. Surge em posts patrocinados. Reaparece em outros aparelhos que estejam conectados a mesma rede. Incansavelmente aquilo martela na sua mente. E martela. E martela. E martela. De uma forma que talvez você se sinta influenciado. Ou não. Digamos que essa seja uma tentativa "prosaica" de comercialização de produtos, por parte de alguma empresa, a partir de informações que você mesmo forneceu. Mas e se, ao invés de um tênis, um pacote de viagem ou um perfume, alguém tentasse lhe vender "ideias"? E o pior, tendo acesso a dados e informações sobre você, que você NÃO AUTORIZOU conceder?

Bom, essa é a ideia por trás do imperdível documentário Privacidade Hackeada (The Great Hack), que mostra como grandes empresas de tecnologia podem estar por trás de resultados ocorridos nas últimas eleições americanas ou mesmo na campanha leave.com, que levou os britânicos a optarem pelo "sim", no plebiscito sobre o Brexit. Digamos que é algo que a gente já desconfiava - e se você é minimamente ligado, certamente já ouviu falar da gigante Cambridge Analytica que, aliada ao Facebook, obteve dados de mais de 87 milhões de usuários da rede social, com o objetivo de traçar perfis psicológicos, que poderiam (re)definir a personalidade de eleitores americanos - especialmente os indecisos, no caso das eleições que tornaram Trump presidente. Sabe a vizinha da tia Célia, aquela que não sabia bem em quem votar no ano passado, mas ficou horrorizada quando viu o Haddad com uma mamadeira de piroca na mão? Era esse eleitor - os chamados "persuasíveis" - que eles buscaram em uma complexa rede de análise de dados e, consequentemente, de estímulos.


Nesse ponto, você leitor poderia argumentar: "é, mas mesmo com obtenção de dados e de informações sobre a personalidade das pessoas, quem ainda toma a decisão é o eleitor". Sim, é. Mas acontece que, como parte da campanha, houve um massivo processo difamatório de Hillary Clinton, com utilização de muitas fake news que lhe transformavam em uma espécie de vilão comunista, que deveria era estar atrás das grades. Fazer a América grande de novo também era "fuzilar" os adversários políticos. Aniquilá-los. Aliás, qualquer semelhança com o que ocorreu no Brasil não é mera coincidência: a ampla campanha caluniosa que transformaria o Brasil em uma Venezuela caso Haddad ganhasse, com médicos cubanos tirando o jaleco para iniciar uma guerrilha, vendendo kits gays nas escolas, enquanto alunos pelados preparavam coquetéis molotov também pode ter a ver com tudo isso. Aliás, o filme aborda a questão "Brasil" de passagem, nos deixando com a pulga atrás da orelha.

Por trás dos investimentos feitos nas campanhas das eleições americanas eu que acarretaram o Brexit - e outras ações em países como Itália, Nigéria, Quênia, Gana e Argentina - um grupo de milionários com interesses próprios e um investimento de US$ 1 milhão por dia em propagandas de todos os tipos, cores e tamanhos, atacando adversários não apenas no Face, mas em outras redes como Instagram, WhatsApp e Youtube. Aliás, pasme: durante a campanha favorável a Trump foram mais de 5,9 milhões de anúncios - contra apenas 66 mil acenando a Hillary. Como forma de juntar as peças desse quebra-cabeças, os diretores Jehane Noujalm (do premiado The Square) e Karim Amer ouvem jornalistas, especialistas e ex-funcionários da CA, em especial Brittany Kaiser, que tem papel fundamental na condução do processo erguido pelo professor David Caroll, que pretende obter na justiça os seus dados de volta (é o ponto de partida da obra).



É um filme absurdamente bem construído e editado, com direito a efeitos especiais criativos, que nos deixa ligados o tempo inteiro e que nos permite refletir sobre como a tecnologia, uma ferramenta que surge para nos aproximar, nos conectar, pode estar sendo utilizada não apenas para nos afastar, mas para disseminar sentimentos como ódio, preconceito racial e xenofobia. E o pior, sem que eu e a vizinha da sua tia Célia saibamos. O que é muito grave! Ser bombardeado por promoções de tênis nas redes sociais quando você visita um site, interessado em uma compra, já é algo bizarro. Que porra é essa que esse algoritmo faz? Mas e ser bombardeado por ideias que alienam, que espalham notícias falsas, que promovem a intolerância? Não parece uma guerra fácil de "vencer". Os bilionários continuam existindo e, cada vez mais, interessados em um modelo de mundo que atenda os seus anseios. Resta a nós, aqui do outro lado, reivindicar os nossos dados como um direito só nosso. Ou, no mínimo, averiguar quando recebemos uma foto de um candidato a presidente com uma mamadeira de pênis na mão, antes de reenviá-la pelas redes.

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