sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Grandes Cenas do Cinema - Os Brutos Também Amam (Shane)

Cena: uma perseguição desesperada a SHAAAAANEE!!

Para muitos, uma cena absurdamente comovente. Para outros, uma das mais irritantes. Mas para todos os que assistiram Os Brutos Também Amam (Shane), a sequência do menino Joey (Brandon de Wilde) correndo desesperadamente atrás de Shane (Alan Ladd), quase ao final do filme, gritando pelo seu nome, é uma das mais inesquecíveis da história do cinema. E se torna mais impactante ainda pelo fato de que o menino desejava apenas pedir desculpas. O Shane de Ladd era um sujeito misterioso, um pistoleiro "aposentado" que chega ao rancho de Joe Starrett (Van Hefflin) meio que por acaso e fica para ajudá-lo nas lidas da pequena propriedade. Sujeito de modos calmos e olhar tranquilo, o homem logo chama a atenção do filho do anfitrião, o já citado Joey que, não é exagero dizer, se "apaixona" por Shane - ou talvez pela ideia de segurança, de suporte físico e emocional que ele passa a representar para a família, que é completada por Marian (Jean Arthur).

Como era de praxe nos faroestes, o filme é bastante conservador, ressaltando a importância da família, de Deus e do direito à propriedade, como valores caros à sociedade (especialmente naquela época, com os Estados Unidos tentando superar os eventos ocorrido na Guerra Civil). Mas, de alguma forma, surpreendem algumas quebras de paradigmas dentro do estilo - com direito até mesmo, pasmem, a um tom pacifista no discurso, o que pode ser percebido pela baixa quantidade de tiros disparados durante a película ou até mesmo pelas longas divagações a respeito do absurdo de se empunhar uma arma (esse contraponto personificado, em muitos casos, por Marian, que se horroriza em certa sequência em que Shane ensina o pequeno Joey a manipular o revólver).


Já Ryker é um vilão um pouco diferente, já que representa os grandes latifundiários - sendo Starrett e os demais moradores da comunidade o seu contraponto (pequenos produtores com pequenas faixas de terra). Será nessa luta por ocupação de espaço - e por criação e gado e de renda - que se estabelecerá o arco dramático. Ryker é o opositor que se vangloria de já ter expulsado daquela região - o Estado do Arkansas -, os índios e os aventureiros, ao passo que a família protagonista (que mantém Shane abrigado), só deseja produzir para sobreviver, para o autoconsumo. Um tipo de debate que estabelece, já naquele ano, o agronegócio como o antagonista da ideia da pequena propriedade, com as famílias rurais cultivando alimentos e ocupando a terra para a sobrevivência. O que em um filme de faroeste, mesmo em um de aparência antiquada, cafona como é o caso de Os Brutos Também Amam, é algo a ser celebrado.

Com Shane vivendo diariamente junto à família, é estabelecida uma curiosa dinâmica. Há uma tensão (sexual ou não) entre a figura vivida por Ladd e Marian (repare como Joe os observa com certa reserva na cena em que se comemora o 4 de julho), ao passo que todos os seus integrantes sabem de sua importância ali para a sua continuidade, a sua sobrevivência. Com muito menos cenas de luta e de tiroteios, e muito mais reflexões sobre moral, ética e costumes, a obra pode soar meio enfadonha para aqueles que preferem os roteiros mais "movimentados". Mas no contexto do filme dirigido por George Stevens (Assim Caminha a Humanidade, Um Lugar ao Sol), aquilo tem sentido: Sane está tentando deixar para trás o seu passado obscuro e encontra no acolhimento da família uma espécie de alternativa à isso. Mas quando ele volta a matar, friamente, o algoz daqueles que ali vivem, ele percebe que a sua essência não vai mudar. E que, consequentemente, de nada adiantará o jovem Joey lhe chamar desesperadamente. Ele já foi. Antes mesmo de ir.

Infelizmente revirei o Youtube para encontrar a cena do menino correndo do protagonista pelas pradarias aos gritos por Shane, mas não encontrei. De qualquer maneira a sequência final, após a "batalha" decisiva, funciona quase como uma extensão daquela aqui mencionada. E vale a pena ser recordada.

Um comentário:

  1. Estou escrevendo o romance Noite em Paris que publico no blogue noite-em-paris onde faço uma citação paródica deste filme. No meu entender, talvez o melhor do faroeste, gênero muito interessante pela carga dramática, a despeito do conservadorismo e do apelo ao individualismo e à violência como solução dos problemas. A cena final do garoto é ontológica. Gostei de sua análise, muito boa e objetiva. Parabéns.

    ResponderExcluir