segunda-feira, 6 de maio de 2019

Cinema - Tudo O Que Tivemos (What They Had)

De: Elizabeth Chomko. Com Hillary Swank, Michael Shannon, Blythe Danner e Robert Forster. Drama, EUA, 2018, 101 minutos.

Lidar com familiares que convivem com transtornos degenerativos como o Mal de Alzheimer não é tarefa fácil e o cinema já tratou do tema por meio de obras igualmente sensíveis e dilacerantes como Longe Dela (2006) e Para Sempre Alice (2014), entre outras. O assunto volta à tona neste razoável Tudo O Que Tivemos (What They Had), da diretora Elizabeth Chomko. O filme começa com a idosa Ruth (Blythe Danner) acordando e saindo para caminhar em meio a madrugada, durante uma tempestade de neve - mais adiante saberemos que a sua intenção era pegar o trem para visitar a sua "mãe". A apreensão pelo resgate de Ruth mobiliza toda a família: do marido ranzinza (e amoroso) Burt (Robert Forster), aos filhos Bitty (Hillary Swank) e Nicky (Michael Shannon). Uma vez encontrada, um novo impasse: qual deveria ser o destino de Ruth? Continuar em casa? Ir para um lar de idosos onde possa receber um melhor tratamento ou mais atenção?

A obra gira em torno da diferença de pensamento entre os familiares que rodeiam Ruth. Burt, que conviveu com a esposa por décadas não admite simplesmente "largá-la" em uma casa geriátrica, por mais que ela esteja, aos poucos, esquecendo tudo. "É a minha garota", argumenta. O mau humorado Nicky acredita que o melhor caminho é investir na realocação da mãe - e claramente ele teme que episódios como o sumiço em meio a uma tempestade de neve possam voltar a acontecer. Entre seus argumentos, o fato de que sequer lhes reconhece - "ela me cantou, enquanto estávamos no carro", explica ao pai. Já Bridget, que não mora na mesma cidade dos demais familiares fica no meio de todos. Além de ter de lidar com a difícil filha Emma (Taissa Farmiga), que lhe acompanha na viagem, ainda tenta aconselhar os demais sobre o que fazer com suas vidas - ainda que a sua própria seja pura desorganização.



Em meio a todos Ruth é pura doçura e deboche, como se fosse uma jovem em corpo de velho (e provavelmente ela se reconhece assim). Ironicamente tem consciência de seu estado - como no caso do comovente instante em que confunde um grampeador com o telefone - se esforçando a todo momento para estar presente, a sua maneira. Só que, metaforicamente, quem parece perdido são os demais. Como organizar o futuro de um ente querido se a gente mal sabe o que será da nossa vida? Bitty está insatisfeita com o seu relacionamento, sem saber se "caga ou desocupa a moita", fora a completa inexistência de diálogo com a filha. Nicky está perto dos 50 anos e dorme no depósito de bar que ele mantém a muito custo, com dificuldade de lidar com impostos, aluguel e outras exigências. Ambos precisam - ou ao menos acham que precisam - tomar decisões sobre a vida dos pais. Mas e as suas? Em meio a isso tudo há um pai autoritário e religioso que não admite essas drásticas mudanças que os filhos pretendem.

Filmes assim mais intimistas geralmente tem a sua força no roteiro, nos diálogos e, especialmente, na composição dos personagens, com suas personalidades e comportamentos. Mas infelizmente é nessa parte que a obra peca. Há pouca profundidade no desenho de cada uma das figuras que vemos em tela, o que torna até difícil para o espectador torcer por este ou aquele desfecho. Burt decididamente quer a companheira a seu lado, mas eles eram felizes no casamento? O velho claramente é uma figura conservadora, daqueles que preza a família, mas lá pelas tantas alguém revela que Ruth era, vejam só... uma feminista? Mas se eles eram tão diferentes, como o casamento teria dado certo por tantos anos? Só pelo compromisso? Além disso, o clima bélico entre os irmãos nunca tem a sua motivação evidentemente esclarecida - ainda que as farpas que ambos trocam, repletas de um trocismo gostoso, debochado, seja um dos valores da película.


No fim das contas é um filme correto, que mescla humor, ternura e drama em igual medida, mas que dificilmente será inesquecível. O elenco abraça a "causa" com ternura, especialmente Forster, que poderia tornar o seu Burt uma figura intragável se pesasse demais a mão. E há ainda um arco dramático em que não há certo e errado: haveria motivações de ambos os lados e todas corretas sobre a decisão de manter Ruth em casa, ou conduzi-la a um espaço para um melhor tratamento. Mas isso no fim é o de menos: muitas vezes o que os parentes precisam é de uma boa sessão de lavação de roupa suja para que os seus demônios sejam definitivamente extirpados. E para que suas confusões interiores possam ser definitivamente confrontadas. Ruth não pode lutar contra a severidade de uma doença tão agressiva. Os demais ainda terão tempo. E é essa a lição.

Nota: 7,0

Um comentário:

  1. Concordo com tudo! Saí de casa pra ir no cinema e a saída não foi em vão (não perdi nada). Mas também não ganhei, porque em poucos dias já vou me esquecer desse filme... hehe

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