quinta-feira, 2 de maio de 2019

Cine Baú - Laura (Laura)

De: Otto Preminger. Com Gene Tierney, Dana Andrews, Vincent Price e Clifton Webb. Suspense / Romance, EUA, 1944, 88 minutos.

Melodrama noir ou suspense romântico, Laura (Laura), do diretor Otto Preminger, é um dos mais surpreendentes filmes de investigação policial da história. Cheio de reviravoltas, de diálogos irônicos e de personagens de caráter duvidoso, a obra lançada 75 anos atrás ainda exala algum frescor - por mais batida que essa fórmula seja, hoje em dia - ao deixar o espectador com a pulga atrás da orelha a respeito do que terá de fato acontecido, na noite em que a protagonista é assassinada. Na trama acompanhamos todos os passos do detetive Mark McPherson (Dana Andrews), que interroga suspeitos, como o colunista de jornal Waldo Lydecker (Clifton Webb), que utilizou a sua influência nos meios de comunicação para funcionar como uma espécie de padrinho/mentor da publicitária Laura Hunt (vivida com graça e vivacidade por Gene Tierney).

Mas Waldo não é o único suspeito. Outras figuras, como o noivo de Laura, Shelby Carpenter (Vincent Price) - espécie de gigolô, que vide de rendas -, além da tia de Laura, Ann (Judith Anderson), mulher de muitas posses que está apaixonada por Carpenter, estão na mira do detetive. Mark vai de casa em casa, alternando hipóteses, fazendo conjecturas e tentando tirar a limpo a história que resultou na cruel morte de Laura, com um tiro no rosto. O tempo todo este ou aquele suspeito ganham força, o que é um dos charmes (e uma das diversões) da película. A gente pode até tentar adivinhar, mas a única certeza que temos é que o assassino parece ter sido motivado pela passionalidade. "O amor é mais forte que a vida. E vai além das escuras sombras da morte. As lágrimas e os risos não são duradouros. Tampouco o amor, o desejo e o ódio" divaga Waldo, a certa altura.


Aliás, Waldo, com suas tiradas irresistíveis e senso de humor meio "truncado" é um dos destaques da trama. Ele parece sempre pronto a provocar, a dizer alguma gracinha ou mudar o rumo da história, com algum comentário cheio de ambiguidades ou com algum sentido metafórico. Mas ele mesmo admite, já no começo do filme: era ele quem conhecia Laura melhor. "Se você sabe algo sobre rostos, olhe para o meu. Não pareço singularmente inocente nesta manhã?" provoca, em uma das primeiras conservas com Mark. Waldo no fim das contas é o responsável direto por tornar Laura famosa e reconhecida na área de design. Mas aos poucos transforma a vida da jovem em um inferno, já que se considera como se fosse "proprietário" dela. Especialmente no que diz respeito a eventuais futuros pretendes, sendo muitos deles descartados pelo caminho, com seus textos ferinos servindo de matéria-prima para a destruição de reputações.

Com fotografia espetacular - Joseph LaShelle recebeu o Oscar pelo trabalho -, o filme ainda utiliza o contraste entre o preto e o branco, o jogo de sombras, os reflexos nos espelhos e outras trucagens com o intuito de aumentar a sensação de sufocamento, quase de vertigem. Nesse sentido, vale observar o brilho no quadro em que Laura aparece, como se fosse uma espécie de emanação a observar a todos. Ou mesmo a persistência de Mark em utilizar um brinquedo que emula uma bola de beisebol sendo rebatida com precisão. A obra é cheia desses detalhes e ainda se vale do ótimo elenco para transformar essa história de amor - no fim das contas até Mark parece se apaixonar pelo "fantasma" da falecida, conforme avançam as investigações -, em uma das grandes obras do cinema noir dos anos 40. Lançado no mesmo ano de Pacto de Sangue - outro clássico do cinema noir - essa obra pequena pavimentou o caminho para um ainda estreante Otto Preminger que, mais tarde, brindaria o público com outras obras-primas, como, Alma em Pânico (1952) e Anatomia de Um Crime (1959).

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