quinta-feira, 9 de maio de 2019

Disco da Semana - O Terno (atrás/além)

Tenho de confessar uma coisa a vocês: não pude esconder uma certa surpresa nas primeiras audições do novo disco d'O Terno, afinal, onde estava aquela banda descaradamente juvenil dos trabalhos anteriores? Onde teria ido parar aquele coletivo que desavergonhadamente misturava Jovem Guarda, eletrônica, samba e música alternativa nos mesmos registros? Sim, tive dificuldade em aceitar que, em seu quarto trabalho, Tim Bernardes, Gabriel Basile (bateria) e Guilherme d'Almeida (baixo) amadureceram. Cresceram. Já não são mais aqueles guris que pareciam debochar do MUNDO em digressões divertidas como Zé, Assassino Compulsivo, Bote Ao Contrário ou até Culpa - pra citar canções que se espalham pelos três discos anteriores. E quando finalmente eu entendi isso, bom, eu consegui apreciar com um pouco mais de calma esse novo (atrás/além), percebendo que é um disco tão (ou até mais) relevante, que os anteriores.

A verdade é que, vamos combinar, não tá tendo muita graça o tal do Brasil. Tá meio difícil até de se divertir descompromissadamente ou de rir de qualquer situação que não seja de nós mesmos e da nossa existência patética nesses anos de Bolsonaro, de cortes em todas as áreas e de predileção pelo ódio, pelo preconceito e pela intolerância. E, nesse cenário, é muito provável que O Terno não visse mais sentido em fazer música mais engraçadinha - ainda que, paradoxalmente, esse tipo de material possa servir para que nos sejam amenizadas as dores da vida. Do mundo. "É a conclusão de um grande ciclo, o fim de uma juventude", relatou Bernardes, em entrevista ao jornal O Globo. A saída da casa dos pais, o fim de um relacionamento, as responsabilidades da vida adulta, também parecem ter pesado nesse processo. "É um disco de desapego do que passou e de um salto para o que pode vir", salientou em outra entrevista, esta para o Correio Braziliense.



E junto com este amadurecimento - que claramente tem início no trabalho solo de Bernardes, o delicado Recomeçar (2017) - há também a proposta de trabalhar o álbum com um conceito bem definido, de idas e vindas, de folhas a serem preenchidas e de ideias que devem ser maturadas e que flanam de forma natural, quase orgânica, em cada melodia minuciosamente arranjada pelo coletivo. Há uma riqueza de detalhes que parece flutuar em meio a justaposição dos versos claramente existencialistas e na disposição instrumental limpa e sutil, que nos fazem compreender esse outro (e novo) momento, absorvendo-o com mais calma - como se o disco clamasse por um pouco menos de pressa, ou de urgência. "(O álbum) é sobre essas vontades contrastantes do jovem que hoje quer tudo e que, de alguma forma pode tudo, mas está meio saturado. Sabe aquele cardápio da Netflix que você fica duas horas para escolher alguma coisa, mas não quer começar um filme de uma hora e meia porque é muito longo? É isso. A música é sobre esse cabo de guerra interno", compara Bernardes na mesma entrevista a O Globo.

Talvez não seja por acaso que já na abertura, com Tudo Que Eu Não Fiz, o compositor lembre a todos de que "Eu não sou mais criança, eu não sou mais adolescente / Eu quero me sentir exatamente onde eu estou". O expediente do ponto de "ruptura" que celebra um fim e um reinício repete-se em outras canções, como no caso do grudento single Pegando Leve: Acabado, esgotado / Eu já cheguei no fim / Recomecei e aqui estou eu / No fim de novo, eu / Quero me encontrar, mas quero deixar fugir. Todo esse clima de nostalgia do que não foi, da imaturidade em contraposição a vida adulta, de descansar, mas sair, de trabalhar e se divertir, surgem como minuciosos antagonismos que reforçam as ideias espalhadas pelo registro. No meio do caminho, músicas que exalam otimismo (Eu Vou), saudade (Atrás/Além), amor idealizado (Pra Sempre Será) e aflições do mundo moderno (a ótima Volta E Meia, em parceria com Devendra Banhart e Shintaro Sakamoto). Minucioso e agridoce do primeiro ao último instante, o registro percorre cada uma de suas esquinas sem medo de encarar a vida adulta, de fazer a crítica à geração millenial e de simplesmente se modernizar em relação ao material anteriormente apresentado. Um dos discos do ano.

Nota: 8,5



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