terça-feira, 14 de maio de 2019

Disco da Semana - Tiago Iorc (Reconstrução)

Pessoal, vamos deixar uma coisa combinada quando o assunto foi o Tiago Iorc: nem oito nem oitenta. Nem tanto ao céu nem tanto ao inferno. Nem o "novo Belchior" como chegou a ser sugerido - muito mais por conta de seu sumiço antes de ressurgir com um novo álbum, do que pelos seus dotes artísticos -, nem um compositor meia boca que não lança nada que presta. Acho que é possível um meio termo. Mas um meio termo que olhe com carinho para o artista que, com Reconstrução lança, disparadamente, o seu melhor trabalho. Trata-se de um registro maduro, mas nem por isso quadrado. Que flerta com os mais variados estilos - indo da eletrônica, ao indie, passando pelo samba com escala na MPB - mas de uma forma dinâmica, coesa, heterogênea. A cada canção que se descortina uma nova possibilidade para o ouvinte, um caminho diferente em um álbum que, vamos combinar, cresce a cada audição.

O mistério sobre o lançamento bom, esse pelo visto continuará sendo um mistério. Fora os sites de fofocas que falam sobre mensagens enviadas por Bruna Marquezine ao cantor na noite de lançamento do registro, poucas informações. O ano sabático, de acordo com matéria do Globo teria começado ainda lá em janeiro de 2018. Uma troca de gravadora, a saída das redes sociais, uma ou outra aparição pública tornaram Iorc uma figura quase excêntrica, aumentando o culto dos fãs que, desde sucessos como Amei Te Ver e Coisa Linda, o perseguiam como se este fosse algum tipo de divindade religiosa. Só que trabalhando assim, meio mocozeado - como se diz aqui nos pampas - o artista pôde entregar um trabalho totalmente novo, todo de uma vez, com videoclipes para todas as canções. Se a estratégia de marketing funcionou? Bom, as treze canções do disco entraram TODAS DE UMA VEZ, no Top 50 do Spotify Brasil. Não é pouco.



Aliás, uma audição do trabalho permite perceber que este é, literalmente, um álbum de reconstrução. De ruptura. De algo que fica para trás e que representa, a partir de agora, um recomeço. E isso fica ainda mais claro quase no final do disco, quando na 12ª canção - a inacreditavelmente linda Bilhetes - o astro canta repetidamente, como se fosse um mantra "tudo vai recomeçar" - não sem antes falar, metaforicamente, em chuvas que passam e erros que servem de aprendizado. O expediente da renovação surge em outras músicas como em Laços (Gota de lágrima, trovão que vem do mar / Revolução e a chance pra recomeçar / Quero a sorte / De reaprender / Essa vida) ou na sinuosa A Vida Nunca Cansa (Quero viver, quero mudar, motivo não há / E lá fora o mundo volta a girar / Se é só o tempo, então releva / Já não há nada que possa evitar).

Livre das amarras de gravadoras ou de outros produtores, Iorc pôde também experimentar no que diz respeito à sonoridade. Se Faz, com sua letra sexy, mais parece um encontro do Muse com o St. Vincent, Nessa Paz Eu Vou é a música que o Armandinho adoraria ter feito na última década. A candidata a hit Hoje Lembrei do Teu Amor tem refrão tão grudento e pop, que mais parece uma canção do Troco Likes perdida nesse trabalho. Já Fuzuê é o artista tentando fazer uma espécie de samba rock com letrinha sapeca, batida rápida, urbana, urgente. Há ainda outros momentos sublimes, em que os temas preferidos do compositor - romances urbanos, existencialismo em meio ao caos da modernidade e reflexões cotidianas sobre paixão e sexo - reaparecem com força, equilibrando caos e lucidez, desordem e clareza em igual medida, é o caso de Tangerina e Tua Caramassa. É um disco muito legal. Acima da média. E que reposiciona Iorc como um dos grandes nomes de sua geração.

Nota: 8,0


Um comentário:

  1. Muito boa a análise. Tive a mesma percepção sobre a "Nessa paz eu vou", inclusive, me lembrou da "Analua" dele.

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