Mas a força da arte de Djonga está nas palavras - e ele certamente tem muito a dizer. Ele precisa dizer. São elas que cortam, oferecem resistência e que, eventualmente gritadas, ecoam a voz daqueles que nem sempre falam. Que se resguardam. Que se resignam. Desde pequeno geral te aponta o dedo / No olhar da madame eu consigo sentir o medo / Você cresce achando que é pior que eles / Irmão quem te roubou te chama de ladrão desde cedo narra o artista na autorreferencial Hat-Trick, que abre o disco Ladrão. Mas o tom nesse terceiro trabalho dificilmente será de autopiedade ou de excessos comiserativos. Djonga certamente tem consciência de seu papel nessa luta e não por acaso lembra do porvir da resistência como algo real e palpável em Deus e O Diabo Na Terra do Sol, feita em parceria com Felipe Ret: As grades prendem homens, não ideias / E a ideia certa chefe até nas ruínas floresce.
Estou mais preocupado em ser ouvido pelas pessoas e que meu trampo dê vontade a elas de falar. Acho que todo mundo está precisando falar bastante, pois estamos cheios de coisa no peito. Então, se meu trampo for ouvido e der vontade do cara falar, nem que seja para discordar de mim, já está bom, destacou o rapper em entrevista ao site Reverb, como que resumindo o conceito central do registro, que dá sequência aos soberbos Heresia (2017) e O Menino Que Queria Ser Deus (2018). Não é por acaso que as canções do mineiro abordam não apenas as questões raciais como uma ferida histórica, mas também celebra as conquistas dos negros, a superação das dificuldades do dia a dia - não apenas do artista e ela está espalhada por toda a parte (Você piscou e eu já tô no terceiro), mas do trabalhador que tem ônibus pra pegar, conta pra pagar e filho pra criar. Eu tiro onda, porque mudo paradigmas / Meu melhor verso só serve se mudar vidas / Pois construi um castelo vindo dos destroços narra na ótima Ladrão.
Musicalmente o registro é um verdadeiro caldeirão de referências culturais com citações a Pantera Negra, Che Guevara, Queen Latifah, Oscar Niemeyer, Malcom X, Mickey, Antônio Conselheiro e Kendrick Lamar e sonoras, numa mescla absurdamente fluída de trap, hip hop, R&B, jazz e música urbana. Djonga está atento ao mal estar da modernidade e por mais que isso seja clichê, representa um reflexo de nossos tempos. Nesse sentido, não são por acaso que menções a Sérgio Moro como um falso justiceiro ou a famosa facada que elege presidente. É claro que em meio ao engajamento, ao espírito de empoderamento, também há espaço para o amor, para o sexo e para o corpo como processo de desconstrução - como comprovam as sinuosas Leal e Tipo. Com estilo mais cru e um flow com pequenas variações em relação aos registros anteriores, Ladrão, com seu ainda impressionante projeto gráfico, consolida Djonga como um dos mais importantes nomes do rap nacional. E o principal: sem a necessidade de precisar mudar para agradar alguém. Abram alas pro Rei!
Nota: 9,3
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