segunda-feira, 29 de abril de 2019

Cinema - O Ano de 1985 (1985)

De Yen Tan. Com Cory Michael Smith, Virginia Madsen, Michael Chiklis e Aidan Langford. Drama, EUA, 2018, 85 minutos.

Em uma das cenas de O Ano de 1985 (1985) os dois irmãos protagonistas conversam sobre música. Mais precisamente sobre a Madonna e seus provocativos trabalhos. Após o mais velho revelar que havia comparecido a Virgin Tour, o mais novo diz, não com certo desalento: "eu tinha o outro disco da Madonna, mas o pai encontrou a minha mochila e jogou ele fora". No mesmo diálogo o menino fala de um vizinho que possuía vários álbuns, mas que todos eles haviam sido queimados por recomendação de um certo Pastor John. Os dois irmãos são Adrian (Cory Michael Smith) e Andrew (Aidan Langford). O primeiro está morando em Nova York e vem para a casa dos pais para passar o Natal, onde encontra o segundo. Os pais são figuras extremamente religiosas e, consequentemente, conservadoras. O que explica, por exemplo, o asco em relação aos ousados discos da "rainha do pop". Sim, as famílias de bem, todos sabemos, não toleram nada que seja diferente. Especialmente nas artes.

Assim vir para casa, para Adrian, se torna um verdadeiro suplício. Algo que ele faz meio a contragosto, mas também para agradar a mãe - que se esforça na aproximação com o filho (uma aproximação meio torta, excessivamente "gastronômica"). Com o pai o distanciamento é ainda maior. Veterano de guerra, acredita que os filhos devem ser criados para ser "homens". E, portanto, ele estranha o trabalho de Adrian - algo relacionado a criação de vídeos publicitários. Pior: fica ainda mais constrangido quando este lhes presenteia com roupas e outros objetos caros, no Natal. Há uma gritante diferença geracional que, aqui no Brasil, poderia ser traduzida pelos pais que votaram no Bolsonaro, que acreditam que bandido bom é bandido morto e que não admitiriam filho gay, como um contraponto a filhos com a mentalidade mais progressista, com um bom nível de empatia, uma maior tolerância e uma especial atenção aos problemas sociais.



Dentro da casa o clima é de opressão, com a película do diretor Yen Tan se desenrolando de forma vagarosa, mas nunca cansativa. A fotografia em preto e branco, levemente escurecida, acentua o clima de melancolia familiar meio generalizada - todos se espiam pelos cantos, como se estranhos fossem, sendo obrigados a conviver. E o pior: conforme os dias passam entre o Natal e o Ano Novo, percebemos que Adrian possui um segredo que certamente será de difícil digestão para pais tão antiquados. O apoio da ex-namorada Carly e do próprio irmão tornarão a estada de Adrian menos dramática. Mas o encontro com um ex-colega de aula, que hoje é gerente de um supermercado local, também dá conta do abismo existente entre as visões de mundo de ambos: definitivamente, Adrian não pertence mais aquele local.

Nesse sentido, a obra se insurge como uma verdadeira coleção de pequenos momentos, que servem apenas para validar nossas convicções (e eu confesso que recebi tudo isso de coração aberto, não por acaso considerando este um dos grandes filmes do ano). Em uma sequência, por exemplo, é possível perceber o constrangimento de Adrian ao ter de cantar os cantos durante uma missa. O pai que presenteia a mãe com um eletrodoméstico. A mãe que confessa não ter votado em Reagan (um republicano a favor da guerra, claro) nas últimas eleições. E um pai que insiste em achar que o filho pode contar com ele, sendo que sabemos que, não, ele não pode, formam o combo de grupo de um sujeitos que se vê obrigado a conviver, única e exclusivamente pela existência de laços de sangue. E, ainda assim, não deixa de ser comovente a promessa de Adrian a seu pai, na última cena em que estão juntos e que busca, exclusivamente, confortar o coração de seu genitor. Uma película tão pequena - são poucos mais de 80 minutos - com tantos subtextos ricos, é aquilo que costumamos considerar um achado. É simplesmente imperdível.

Nota: 9,0

Nenhum comentário:

Postar um comentário