segunda-feira, 1 de abril de 2019

Cinema - Minha Obra-Prima (Mi Obra Maestra)

De: Gastón Duprat. Com Guillermo Francela, Luis Brandoni e Raúl Arévalo. Comédia, Argentina / Espanha, 2018, 101 minutos.

Em sua ainda curta filmografia o argentino Gastón Duprat se especializou em obras que utilizam a mesquinhez e a afetação do universo das artes como o cínico contraponto para uma Argentina dolorosamente decadente, provinciana e cheia de contrastes. Foi assim com o espetacular O Homem ao Lado (2011) e também com o recente e divertido O Cidadão Ilustre (2017) - ambos dirigidos em parceria com Mariano Cohn. É assim também com Minha Obra-Prima (Mi Obra Maestra), que chega agora aos cinemas. No filme assistimos a uma improvável dupla de amigos: de um lado o amargo pintor Renzo Nervi (Luis Brandoni) que já foi bem sucedido, mas hoje não consegue vender quadro algum - seus traços são considerados retrógrados, ultrapassados. De outro o galerista Arturo Silva (Guillermo Francella), que tenta valorizar a obra de Nervi, a despeito da personalidade abusadamente presunçosa e prepotente do artista.

Como forma de tentar dar um upgrade na carreira de Nervi - que está perdendo espaço para artistas mais modernos e inovadores -, Arturo consegue para ele um contrato com uma importante corporação argentina. A tarefa? Pintar uma grande tela de dois por um metro, que resuma o espírito empreendedor da família contratante. Só que é lógico que tudo vai por água abaixo: Nervi não tem paciência com o mercado, é vaidoso e considera que ele, como artista, deve definir os termos da empreitada. Pior de tudo, ainda sofre um gravíssimo acidente pouco depois da catastrófica vernissage de lançamento da peça, que lhe faz perder parte da memória (e também a disposição para viver). Arturo, claro, não abandona o amigo - apesar das absurdamente hilárias discussões entre ambos - e vê na compra dos quadros de Nervi e na consequente valorização desses após a sua morte, uma alternativa de se reerguer na carreira de negociante. "A necrofilia da arte tem adeptos em toda a parte", já diria Gilberto Gil.



Repleta de ótimas surpresas, a película de Duprat é não apenas um verdadeiro tratado sobre a amizade, mas também uma obra-prima que vai no limite das discussões a respeito daquilo que tem real valor no mercado da arte. Com sequências que funcionam como pequenas esquetes, o filme salta de uma situação para outra divertindo e nos emocionando. Se em uma cena prosaica vemos Arturo analisando pessoas que circulam por Buenos Aires, observando suas vestes e seus modos como se estivesse diante de um quadro, em outro assistimos o mesmo Arturo, no hospital, apresentando antigas fotos ao amigo convalescente - que poderão lhe reavivar a memória. Os estereótipos do universo das artes - o crítico arrogante, o estudante universitário que sonha em se expressar pelas artes, o consumidor fútil - estão todos lá e formam um combo que, olhado a distância, funciona como uma espécie de microcosmo da sociedade e de suas diferenças que se tornam mais amplas no contexto em que estão inseridas.

É um filme leve, que traça paralelos divertidos e que não se ocupa em aprofundar a personalidade de cada uma daquelas figuras que vemos em cena. Todos, enfim, estão tentando ser pessoas melhores... mas a que preço? Não seria a ambição desenfreada um dos motivos de tanto mal-estar em nossa sociedade atual? Duprat não oferece respostas e centra nos diálogos e nos constantes embates entre os protagonistas, uma de suas forças. "Não abra a boca se não for para melhorar o silêncio", lembra Nervi a certa altura da película, citando uma frase atribuída a Beethoven. Mas o que dizer de personagens que estão o tempo todo "quebrando o silêncio" para agir de forma inescrupulosa e inconsequente? Nesse panorama do universo das artes só há espaço para o pessimismo e para a amargura, resumidos em quadros que ninguém se interessa, vendidos a preços exorbitantes e produzidos por artistas excêntricos. Mas a gente jura: é impossível não gargalhar.

Nota: 8,5

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