segunda-feira, 22 de abril de 2019

Pérolas da Netflix - Temporada

De: André Novais Oliveira. Com Grace Passô, Russo APR, Rejane Faria e Hélio Ricardo. Drama, Brasil, 2019, 113 minutos.

Temporada é aquele tipo de filme que parece sobre o nada mas que, na verdade, é sobre tudo ao mesmo tempo. Não por ser algum tipo de projeto ambicioso e hiperbólico e sim por apostar na sutileza como forma de abordagem para temas relacionados a diferenças sociais, a solidão e a busca pela felicidade. É o filme sobre o cotidiano. Sobre a vida real. Sobre errar e acertar. Ou sobre deixar o passado para trás para tentar tudo de novo. E novamente. E o pior: em um País que não costuma olhar com carinho para as classes menos favorecidas ou vulneráveis. Na trama acompanhamos a jornada de Juliana (a espetacular Grace Passô) que está se mudando de Itaúna para a periferia de Contagem, em Minas Gerais, para trabalhar como agente de controle da dengue na região. No local, enquanto se ambienta a sua rotina e aos novos colegas de trabalho, ela tenta se "acertar" com o marido, que ignora todas as tentativas de contato.

E o filme é mais ou menos isso. Ou parece só isso. No final de semana uma ou duas cervejas, no dia a dia o trabalho, os encontros com pessoas conhecidas e desconhecidas, o cotidiano, a brasilidade. O flerte com algum colega. As roupas simples e os diálogos idem. A fotografia quente da cidade periférica. Os corpos fora do padrão - especialmente os de Hollywood - que se assemelham ao meu e ao seu, que lê esse texto. Uma das críticas à Temporada é que, no filme, não há um arco dramático mais aprofundado, mais bem definido. Mas é o filme político, sem ser panfletário, sem precisar esfregar nada na cada. Há, aqui e ali, uma discussão sobre precárias condições de trabalho, sobre salários baixíssimos (mesmo pra quem é concursado), sobre as dificuldades para que as contas fechem e os sonhos permaneçam.



E como o diretor André Novais Oliveira (do premiado Ela Volta na Quinta) faz isso? Com sequências como aquela em que vemos Juliana e Hélio (Hélio Ricardo) sentados diante de uma espécie de estação de tratamento de esgoto. No lugar de belas paisagens cotidianas, a realidade nua e crua, feia. As edificações acinzentadas e disformes. Sem lógica. Paupérrimas, como a casa adaptada por Juliana, que se vira como pode e aceita a condição que lhe é imposta. O mesmo valendo para o trabalho e para as reações diversas das pessoas que recebem os agentes - mal humoradas, tristes, solitárias, benevolentes. Há uma curiosa mistura de tudo nessa obra absurdamente naturalista em que não sabemos exatamente para o que torcer, como ficar ou de que forma olhar, sendo que só o que conseguimos sentir o tempo todo é empatia por aquele coletivo torto, que pega ônibus, que come no dogão, que fala em um linguajar cheio de gírias, que procrastina e que vai no pagode.

E há ainda o personagem Russão (Russo APR), com o seu inacreditável carisma, que sonha em poder abrir uma barbearia pra levantar uma grana extra, que possibilitará melhores condições para o filho. É o dia a dia da informalidade, livre, direta, que representa uma ruptura justamente por não ser óbvia, como em qualquer outra obra. Com longos planos sequência, o filme centra a sua força nos diálogos e nas atuações - rudes e comoventes em igual medida -, que atingem seu ápice em uma comovente aparição de Dona Zezé (a falecida mãe do diretor), que interpreta uma senhorinha querida, que oferece bolo e café para Juliana, lembrando a ela que "saco vazio não para em pé". Na nebulosidade do Brasil que perde o seu encanto, ainda há a cordialidade a ser encontrada, o anseio de vida no riso e no choro. O mesmo riso e o mesmo choro que o espectador alternará, desavergonhadamente, ao assistir a essa verdadeira pérola do cinema nacional.

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