quarta-feira, 3 de abril de 2019

Cine Baú - A Noite dos Desesperados (They Shoot Horses, Don't They?)

De: Sidney Pollack. Com Jane Fonda, Michael Sarrazin, Susannah York e Gig Young. Drama, EUA, 1969, 129 minutos.

Parece inacreditável que um filme como A Noite dos Desesperados (They Shoot Horses, Don't They?) tenha sido lançado há 50 anos - muito antes da explosão dos reality shows e de crises profundas como as que vivemos hoje, com altas taxas de desemprego e muita informalidade no mercado de trabalho. Sim, de alguma forma a película de Sidney Pollack - uma das primeiras de sua carreira - junta os dois assuntos. O ano é 1932 e os Estados Unidos vivem os reflexos da depressão, provocada pela quebra da Bolsa de Valores em 1929. Em meio a um cenário de desolação - e que denota uma profunda crise em uma sociedade sem nenhuma empatia -, sujeitos abonados tem uma ideia genial para ganhar dinheiro (especialmente da entorpecida Classe Média): reunir mais de uma centena de casais em um salão fechado, fazendo com que eles participem de uma maratona de dança, até que apenas um se sagre o vencedor.

As semelhanças com as indefectíveis "provas do líder" do Big Brother são de embasbacar: conforme os dias avançam (sim, dias), alguns casais vão desistindo, permanecendo na disputa alguns poucos que sonham em faturar a bolada de US$ 1.500 com o objetivo de mudar de vida - caso da dupla formada por Gloria (Jane Fonda) e Robert (Michael Sarrazin). O que fica claro é que há um desespero por qualquer coisa que possa representar uma guinada - o que se percebe nas filas de pessoas que buscam preencher os requisitos para participar do jogo (que tem torcida em tempo real, sendo apresentado em uma espécie de picadeiro improvisado). Ninguém pode parar de dançar: ritmos lentos se alternam com outros mais agitados e cada dupla pode descansar por intervalos de 10 minutos a cada turno em que a maratona ocorre. Há fornecimento de comida, assim como cuidados médicos. É uma prisão improvisada, em uma condição extenuante.



É mais do que evidente o fato de percebermos aquele microcosmo (o filme se passa TODO dentro do salão em que ocorre a competição) como um reflexo metafórico de nossa sociedade. Lá estão pessoas desesperadas, se submetendo a condições desumanas para tentar ganhar algum dinheiro - ou até mesmo uma oportunidade no cinema, como no caso da deslumbrada Alice (Susannah York) - enquanto os ricaços ou os bem sucedidos aplaudem, gargalham e torcem pelo sucesso de algum daqueles desaventurados. Alguém aí pensou na relação entre patrão e operário? O título original - tomado do livro de Horace McCoy - é uma brincadeira sugestiva sobre o sacrifício de animais - muitas vezes os cavalos são mortos, se possuem alguma doença incurável ou que interrompa a lucratividade. Eles não atiram em cavalos, atiram? é uma reflexão proposta já na abertura da película. Sim, atiram. É só você não ter mais serventia nessa "selva".

Pollack se tornaria muito mais famoso por outros filmes, mais tarde - casos de Tootsie (1982), Entre Dois Amores (1985) e A Firma (1993). Mas A Noite dos Desesperados é o que pavimentou o caminho para que ele alcançasse um outro patamar. É uma obra que permanece atual, é curiosa, diferente, instigante - ainda que propositalmente arrastada em alguns momentos (o que reforça de forma orgânica a passagem do tempo em um ritmo distinto para aquelas pessoas). E mesmo em um único cenário, a construção impressionante de cenas como as das "corridas", é um verdadeiro atestado de qualidade para essa pequena joia. Indicada em nove categorias na cerimônia do Oscar de 1970, o filme ganhou apenas uma estatueta: a de coadjuvante para Gig Young (sério, quando acaba o filme a gente já não aguenta mais a empolgação irritante dele). Mas ainda assim a obra será para sempre lembrada como uma película de ruptura, sem possibilidade de final feliz, ao estilo de outras do período - caso de Perdidos na Noite (1969) que foi lançada no mesmo ano.

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