quarta-feira, 17 de abril de 2019

Cinema - Em Trânsito (Transit)

De: Christian Petzold. Com Franz Rogowski, Paula Beer, Godehard Giese e Barbara Auer. Drama, Alemanha / França, 2018, 101 minutos.

Só a sutileza com que o diretor Christian Petzold (Phoenix) aborda o avanço do nazismo (ou do fascismo) na modernidade já torna Em Trânsito (Transit) um filme digno de nota. Para falar de cerceamento da liberdade, de cassação de direitos e de injustiças sociais, não há volta no tempo, não há trens levando judeus para campos de concentração ou quaisquer outras cenas de maus tratados ocorridas no holocausto. Não há fotografia empalidecida ou saturada ou trilha sonora que dialoga com o período. A película se passa em algum ponto da modernidade, com desenho de produção em que se veem carros, construções e rodovias atuais, o mesmo valendo para figurinos e outros objetos cênicos. O que não muda nesse contexto? Somos apresentados a um grupo de pessoas que está em fuga de uma França pronta a ser sitiada pelo exército, que pretende iniciar um "trabalho de limpeza" no País.

Nesse sentido, Em Trânsito é uma espécie de distopia daquelas típicas da ficção científica, em que a sociedade moderna, eventualmente decadente, se choca com um passado de opressão e de censura (e medo) do diferente. No microcosmo proposto por Pletzold, seria como se o nazismo estivesse para acontecer na atualidade, em uma capital como Paris, motivada por uma política conservadora e ditatorial que se avizinha. E, assim as pessoas precisam fugir - e não é por acaso que, logo no começo do filme, a proprietária de uma hospedaria trata com desconfiança o protagonista Georg (Franz Rogowski). No mesmo hotel Georg pretende entregar documentos a um autor, de sobrenome Weidel, que ele descobre ter se suicidado. Antes de abandonar o local, ele se apropria de manuscritos do escritor falecido, assumindo, após uma viagem a Marselha, a sua identidade.


Na verdade a película é uma obra sobre pessoas tentando encontrar o seu lugar no mundo, mas em um mundo doente, boçal, em que prevalecem os preconceitos e a intolerância. Não é por acaso que um autor se mata, já que os artistas muitas vezes são os primeiros perseguidos em ditaduras. Em Marselha, Georg conhecerá Marie (Paula Beer), que por conta de uma daquelas incríveis coincidências é a viúva do falecido Weidel. Marie acredita que o homem está vivo, já que muitas pessoas afirmam ter visto ele - na embaixada, nas cafeterias em setores do Governo. Mas na verdade trata-se de Georg que está utilizando a identidade do escritor para forjar uma ida para o México onde, em exílio, poderá escapar da guerra. E é aí que entra o componente romântico, com Georg convidando Marie para lhe acompanhar já que, claro, ele se apaixona por ela.

Não bastassem as dificuldade naturais dos envolvidos, ainda há uma mãe imigrante, com o seu filho - o que não deixa de ser uma forma de atualizar para os dias atuais o tema da perseguição político/religiosa às minorias. Como em qualquer "guerra", a violência está logo ali ao lado, com integrantes do exército invadindo casas e levando na marra àqueles que são considerados subversivos, não restando para quem sente medo, a opção exclusiva de fugir. Trata-se de uma obra moderna, que joga algum frescor no tema da guerra, ao fugir do óbvio, esfregando em nossas caras que a perseguição e o medo, travestidos de "intervenção militar" pelo bem da sociedade, podem ser a pior escolha. Cabe a nós decidir pelo nosso futuro. Ao menos enquanto somos uma democracia.

Nota: 8,5


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